Operadoras de saúde suplementar ignoram regras e acabam faturando com brechas da legislação
O setor de saúde suplementar enfrenta uma grave crise de confiança. De um lado, operadoras de planos de saúde registram lucros bilionários; de outro, aumentam exponencialmente os gastos com ações judiciais, motivadas em grande parte pelo descumprimento de contratos e determinações legais. Dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) revelam que, nos últimos cinco anos, os custos com judicialização mais que triplicaram, saltando de R$ 1,2 bilhão no primeiro trimestre de 2020 para R$ 3,9 bilhões no mesmo período de 2025.
O cenário é ainda mais preocupante ao se constatar que 62% dessas ações judiciais envolvem procedimentos já previstos nos contratos dos planos de saúde — ou seja, casos em que o beneficiário deveria ter tido atendimento garantido sem necessidade de acionar o Judiciário. O restante (38%) corresponde a pedidos fora da cobertura contratual, que, segundo a Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), também “pressionam indevidamente os custos do setor”.

Segundo Ferreira, essa prática fere diretamente a legislação vigente. “O artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor determina que o fornecedor de serviços responde, independentemente de culpa, pela reparação de danos causados ao consumidor por falhas na prestação do serviço. Já o artigo 35-C da Lei nº 9.656/98 obriga os planos a cobrirem atendimentos de emergência e urgência. Quando negam esse atendimento, ainda que previsto em contrato, estão cometendo infrações claras.”
A insegurança do sistema não se limita às negativas de cobertura. Um recente vazamento de dados da Unimed, revelado pelo site Cybernews, expôs uma nova e potencialmente explosiva frente de problemas judiciais. O incidente envolveu o sistema Kafka, usado para comunicação em tempo real, e resultou na exposição de cerca de 14 milhões de mensagens, incluindo conversas entre pacientes e médicos, exames, fotos médicas e dados pessoais sensíveis.
“Esse vazamento é extremamente grave. Estamos falando de dados sigilosos protegidos pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), como histórico de saúde, diagnósticos e documentos pessoais. O artigo 7º da LGPD estabelece que o tratamento de dados sensíveis só pode ocorrer com o consentimento específico do titular ou em hipóteses muito restritas. A falha na proteção dessas informações abre caminho para uma nova onda de ações judiciais em massa contra operadoras”, alerta Ferreira.
Além dos riscos individuais, a falha técnica representa uma ameaça sistêmica, podendo gerar prejuízos reputacionais irreparáveis e aumentar ainda mais os custos judiciais para as operadoras. “Quando se negligencia a proteção de dados, está se violando um direito fundamental do paciente à privacidade e à segurança. A responsabilidade civil é objetiva nesses casos — não importa se houve ou não intenção. Basta o dano e a falha”, explica o advogado.
Contudo, o crescimento da judicialização, a reincidência nas negativas de cobertura contratual, o descumprimento de decisões judiciais e a negligência na segurança de dados compõem um retrato preocupante de um setor que parece priorizar os lucros em detrimento da lei e da saúde dos consumidores. Como resume o advogado Thayan Fernando Ferreira: “As operadoras tratam multas e condenações como custo operacional. Enquanto isso, o consumidor paga com o bolso, com o tempo — e, em muitos casos, com a própria vida.”
0 Comentários