Em um país como o nosso, que convive com tantos problemas sociais e econômicos, é necessário ressaltar iniciativas que colaboram para evitar o agravamento desse quadro. É o caso da Lei da Aprendizagem, que há quase 25 anos incentiva jovens entre 14 e 24 anos a conseguir o primeiro emprego, ao mesmo tempo, em que fornece ao empresariado a oportunidade de contar com mão de obra mais qualificada e motivada.
Além de garantir a mais de 600 mil jovens uma oportunidade valiosa de conseguir emprego, a Aprendizagem proporciona a milhares de empresas a possibilidade de contar, em seu quadro de colaboradores, com jovens entusiasmados, mais bem formados e com menor carga horária — além de contribuírem para o desenvolvimento social do país.
Para que se tenha a real dimensão da importância da Aprendizagem, no entanto, é preciso estar atento às mudanças e à modernização pelas quais ela passou com o decorrer do tempo.
É necessário lembrar, por exemplo, que de 1943 a 2003 a Aprendizagem foi de responsabilidade do chamado “Sistema S” – atualmente formado por nove entidades, entre as quais Senai, Sesi e Senac. Durante esses 60 anos, o chamado “estoque” de aprendizes foi de 50 mil jovens, um número irrisório para um país como o Brasil.
A partir da Lei do Aprendiz, aprovada no ano 2000 e regulamentada em 2003, o número saltou para 609.644 e o potencial já é de 1 milhão de pessoas.
Além disso, é preciso estar atento para evitar falácias que costumam ser apresentadas como fatos. Dizer, por exemplo, que apenas 10% dos aprendizes são efetivados nas companhias é “fake news”, pois não há comprovação de que essa porcentagem corresponda à realidade.
Outra falácia é afirmar que “aprendiz não tem chefe”. Atualmente, todos trabalham com uma pessoa mais experiente ensinando e orientando. Quem propaga o conceito antigo leva em conta apenas o passado, quando o jovem era um “tarefeiro”, ou seja, trabalhava apenas por tarefas. Faz tempo que essa visão anacrônica não tem sentido. Os jovens e as empresas têm uma postura holística, que significa olhar o trabalho de maneira bem mais ampla do que simplesmente fazer o que lhe é mandado.
Veja o exemplo dado por um executivo de empresa multinacional: ele revela que antigamente as companhias, principalmente as internacionais, buscavam jovens com inglês fluente para preencher muitas de suas vagas. Mas esse quadro mudou e a prioridade agora, segundo ele, são as pessoas que têm características como espírito empreendedor, voltadas à inovação e que demonstrem caráter. O inglês ficou para ser ensinado durante o trabalho.
Opor-se a essa realidade é dar um tiro no pé. É certo que vivemos em um país onde as empresas pagam impostos demais e têm muitas obrigações, recebendo muito pouco em troca. Mas de que adianta criticar a Aprendizagem alegando que a responsabilidade da formação do jovem é do Estado? É evidente que o Estado não o fará e que vai “devolver” o problema. Em vez de “empurrar” o problema é preciso tentar resolvê-lo.
Também não vale a comparação do que acontece com a Aprendizagem no Brasil com outros países mais desenvolvidos, como Alemanha e Áustria. Nossa realidade, infelizmente, é muito diferente, com a maioria dos jovens sendo submetidos à formação deficiente tanto familiar como profissional.
É necessário olhar os números reais. De acordo com dados do IBGE, existem 33,6 milhões de pessoas no país com idade de 14 a 24 anos e, no 4º. trimestre de 2024 apenas 14,5 milhões delas estavam ocupadas. Os jovens que não estudam e não trabalham, erroneamente denominados de “nem-nem”, formam um contingente de 5,3 milhões de pessoas entre 18 e 24 anos – 2 milhões de homens e 3,3 milhões de mulheres, muitas delas com filhos pequenos.
Maior evasão escolar, crescimento do desemprego, falta de perspectiva de melhoria de vida e maior potencial de adesão à criminalidade são alguns dos malefícios causados por essa situação.
A Aprendizagem mostra, em um cenário tão preocupante, toda sua importância. Ao combinar aprendizado prático com educação formal, ela ajuda a preparar a próxima geração de profissionais de maneira inovadora e inclusiva.
Além da legislação que se renova regularmente, as companhias que optam por aprendizes contam com suporte de empresas especializadas na formação desses jovens. No Centro de Integração Empresa-Escola- CIEE, por exemplo, são 16 cursos, mas estamos em expansão dos polos de capacitação, chegamos a 190 polos, com 79.340 aprendizes ativos.
Evidente que há sempre espaço para aperfeiçoamento. No entanto, o Brasil não pode abrir mão de contar com a Aprendizagem. Sem ela, não há como sonhar com um país mais justo, capaz de obter ganhos de produtividade que permitam competir com sucesso em um ambiente econômico global cada vez mais competitivo.
Humberto Casagrande é CEO do Centro de Integração Empresa-Escola - CIEE. É engenheiro de Produção pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCAR e Mestre em Administração de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Acumula ampla experiência no mercado financeiro, tendo sido conselheiro da Bolsa de Valores de São Paulo – BOVESPA. Atuou como diretor de diversas instituições bancárias como Sudameris, Fator, Citibank e Banespa. É ex-presidente e fundador da APIMEC Nacional – Associação Brasileira dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais.
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