A violência está no topo das preocupações dos brasileiros e entre os maiores medos da população estão ser assaltado ou ser vítima de bala perdida. Não há dúvidas de que a segurança pública é um grande desafio do Brasil.
É comum, no entanto, que esse desafio seja analisado pela ótica do crime. A população tem medo de ser vítima de assaltos, de tiroteios ou de roubos violentos. Quando pensamos no tamanho do problema, a tendência é mencionarmos o crescimento das facções criminosas ou a corrupção de agentes do Estado. É mais raro olharmos para a segurança pública a partir da política de segurança vigente, ou melhor, como colocamos em prática uma política de segurança.
O Rio de Janeiro hoje oferece um bom exemplo para fazermos o exercício de olhar para o desafio da segurança a partir da política pública. Melhor ainda porque é uma política em fase de criação.
Em 2021, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou que todos os integrantes de guardas municipais do país tenham direito ao porte de armas de fogo. Acelerou-se o processo de armamento das guardas por todo o Brasil e atualmente somente duas capitais ainda não garantem armas para seus guardas: Rio de Janeiro e Recife.
No Rio, o assunto reapareceu no começo do ano, já que o prefeito reeleito, Eduardo Paes, no dia da posse apresentou o projeto de criação de uma Força Municipal de Segurança armada. Essa Força seria formada por agentes que passaram pelas forças armadas selecionados por concurso. Os salários previstos para os selecionados eram bem superiores aos salários pagos hoje da Guarda Municipal (GM) carioca. Como era de se esperar, houve reação por parte dos funcionários públicos que já integram a GM que viram no movimento do prefeito um ato de desvalorização da carreira.
Semanas de negociação se seguiram na Câmara Municipal até que o projeto do prefeito foi retirado em um acordo costurado para os vereadores aprovarem um substitutivo a um Projeto de Emenda à Lei Orgânica que libera o armamento da Guarda. A primeira votação já aconteceu e a próxima deve ser amanhã, dia 15 de abril. Depois de aprovado, é esperado que parlamentares e prefeito negociem um projeto de lei complementar para detalhar como será o uso de armas pela GM.
Todo esse movimento aconteceu nos últimos meses sem um plano municipal de segurança pública. O prazo para elaboração do plano era 2020 de acordo com diretrizes da lei que criou o Sistema Único de Segurança Pública. Em 2024, a gestão Eduardo Paes chegou retomar o processo de criação do documento com um decreto que dispunha de cinco eixos estratégicos para ele: a) Inteligência; b) Reformulação da Guarda Municipal do Rio de Janeiro; c) Controle e Segurança Urbana; d) Combate aos Mercados Ilegais; e) Segurança e mobilidade urbana na cidade. Depois da publicação do decreto, a elaboração do plano permaneceu parada.
Pelas diretrizes da própria prefeitura é possível notar a importância de um plano de segurança para o Rio de Janeiro. No entanto, os gestores decidiram tocar o armamento da Guarda Municipal sem este instrumento de planejamento. Nada de novo no front. É tradição no Brasil que decisões relacionadas a segurança pública sejam tomadas sem planos definidos, sem metas, indicadores de impacto ou participação da sociedade. É assim que acontece há décadas e não é difícil notar para onde isso nos levou.
Ciente disso, o Ministério Público Federal publicou uma nota técnica em que afirma que o armamento da Guarda Municipal hoje não promove o direito fundamental à segurança pública. Para o MP isso acontece porque o projeto deveria ser precedido do plano municipal de segurança. Duas grandes questões pairam sobre o armamento da GM: armados, os guardas estarão expostos a mais violência? A circulação de armas pode aumentar a violência armada em uma cidade já conflagrada? Segundo o MP, há indícios de que “sim” é a resposta para essas duas questões. Ou seja, um plano de segurança é fundamental para dimensionar o tamanho do risco que é armar a GM nesse momento, tanto para o conjunto da população quanto para os próprios agentes.
Quando em alguns meses ou anos nos questionarmos sobre a eficiência de uma Guarda armada no Rio de Janeiro, será preciso lembrar deste 2025. Prefeito e vereadores estão tocando o processo de armamento da GM contrariando o Ministério Público, sem um plano de segurança e sem apresentar para a sociedade um único dado ou evidência do que esperam disso e para onde milhares de novas armas nas ruas nos levarão.
Entender como se faz política de segurança no Brasil é parte fundamental para se encarar os desafios impostos pela violência. Não vamos superar o medo enquanto não mudarmos também as políticas. Pode não parecer, mas o crime não é o único problema.
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