/>
Saúde começa pela boca: uso de fio dental pode reduzir em até 44% o risco de AVC

Saúde começa pela boca: uso de fio dental pode reduzir em até 44% o risco de AVC

Estudo mostra relação entre higiene bucal e doenças graves como AVC, fibrilação atrial e diabetes; especialista da USP destaca importância da escovação e do uso correto do fio dental
Saúde começa pela boca: uso de fio dental pode reduzir em até 44% o risco de AVC
Saúde começa pela boca: uso de fio dental pode reduzir em até 44% o risco de AVC / Foto: Freepik
O uso regular do fio dental pode reduzir significativamente o risco de Acidente Vascular Cerebral (AVC) e outras doenças. É o que revela pesquisa apresentada em fevereiro de 2025 na International Stroke Conference da American Stroke Association, ocorrido em Los Angeles (EUA). Conduzido pelo dr. Souvik Sen, da Universidade da Carolina do Sul (EUA), o estudo acompanhou mais de 6 mil pessoas ao longo de 25 anos e constatou que indivíduos que utilizavam fio dental pelo menos uma vez por semana apresentavam 22% menos risco de AVC isquêmico, 44% menos risco de AVC cardioembólico e 12% menos risco de fibrilação atrial, uma arritmia cardíaca associada a maior propensão a acidentes vasculares.
Professor Sebastião Greghi (FOB) Foto: Lattes

Os dados não surpreendem o professor Sebastião Greghi, da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da USP, e só reforçam a importância de um hábito simples e muitas vezes negligenciado: a higienização bucal. Segundo ele, a boca é um foco constante de infecções e possui uma grande concentração de bactérias. Quando não higienizada de forma adequada, essas bactérias podem migrar para outras regiões do corpo e desencadear ou agravar processos inflamatórios sistêmicos. “A medicina periodontal, abordagem moderna que estuda essas relações, reconhece que a saúde bucal tem influência direta sobre diversas condições médicas. Essa compreensão, segundo o especialista, resgata ideias já discutidas na década de 1920 com a teoria da infecção focal, que caiu no descrédito por falta de embasamento acadêmico à época e que hoje ganha novo respaldo científico”, afirma.

Em relação ao impacto mais expressivo do fio dental na redução do AVC cardioembólico, Greghi explica que a doença periodontal pode contribuir para a formação de placas ateromatosas e êmbolos, por meio da atuação de bactérias e citocinas inflamatórias liberadas pelas gengivas doentes. “Essas placas, quando se rompem, podem causar obstruções em vasos cerebrais e provocar um AVC de origem cardíaca. Isso demonstra o quanto a saúde bucal está relacionada ao bom funcionamento do sistema cardiovascular, que é uma das principais causas de morte no mundo.”

A associação entre o uso do fio dental e a redução do risco de fibrilação atrial também tem base científica, ainda que com menor impacto estatístico no estudo. A inflamação periodontal pode levar à inflamação dos átrios cardíacos, facilitando a ocorrência de arritmias. Segundo o professor, isso pode acontecer tanto pela migração direta de bactérias quanto pela ação sistêmica das citocinas liberadas durante o processo inflamatório. Como a fibrilação atrial pode gerar trombos, que causam AVCs ou infartos, o controle dessa condição por meio da saúde bucal tem grande relevância.

O professor também ressalta que os benefícios do uso do fio dental vão além da prevenção de doenças cardíacas. “A placa bacteriana, que se forma constantemente após a alimentação, precisa ser removida mecanicamente por meio da escovação e do fio dental. Essa remoção deve ser feita de maneira técnica, com o fio pressionado contra a superfície do dente, raspando para eliminar a placa, e não apenas para retirar resíduos visíveis de alimentos”, explica. O especialista alerta que a negligência nesse cuidado pode levar ao desenvolvimento de gengivite e, posteriormente, à periodontite, que causa destruição dos tecidos de suporte dos dentes, perda óssea e, em casos mais graves, perda dentária completa.

Apesar da importância desse hábito, o uso do fio dental no Brasil ainda é muito limitado. Greghi relata que, mesmo em atendimentos realizados por faculdades, observa-se que grande parte da população não utiliza o fio dental ou o faz de maneira incorreta e esporádica. “Pesquisas populacionais muitas vezes superestimam o uso, pois se baseiam apenas na autodeclaração do paciente, sem aferir a frequência ou a técnica correta”, afirma.

Segundo ele, o uso adequado do fio dental deveria ocorrer de uma a duas vezes ao dia. No entanto, muitos pacientes acreditam estar higienizando corretamente apenas porque escovam os dentes várias vezes ao dia. “Sem técnica apropriada, essa escovação se torna ineficiente. O mesmo vale para o fio dental: seu uso regular e correto é essencial para impedir o acúmulo e o envelhecimento da placa bacteriana, que se torna mais agressiva com o tempo.”

Greghi também destaca que a doença periodontal tem sido associada a diversas outras condições de saúde. “Entre elas, podemos destacar a diabetes, pois a infecção bucal mal controlada pode dificultar a ação da insulina e elevar os níveis de glicemia. Casos de endocardite bacteriana, que afetam válvulas cardíacas, também têm relação com bactérias oriundas da cavidade bucal. Além disso, estudos mostram que gestantes com doença periodontal têm maior risco de parto prematuro, aborto e nascimento de bebês com baixo peso.”

A perda de dentes, por sua vez, compromete a mastigação, a alimentação e a nutrição. “Tudo isso reforça a necessidade de que o cuidado com a saúde bucal comece na infância, com educação e incentivo à prevenção.” Segundo o professor, a única forma eficaz de prevenir essas complicações é o controle mecânico da placa bacteriana por meio da escovação e, especialmente, do uso diário e correto do fio dental.

Postar um comentário

0 Comentários

Close Menu