Estamos em um ano de recorde de feminicídios ou tentativas de feminicídios no Grande Rio e esta é uma história que os dados do Fogo Cruzado ajudam a contar. Vivianne Albuquerque, 29 anos, foi morta com um tiro na cabeça na casa de parentes do namorado, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense, no último dia 8. A imprensa noticiou o caso como mais uma mulher morta pelo companheiro.
Para o Fogo Cruzado, Vivianne foi a oitava vítima de feminicídio ou tentativa de feminicídio cometido por agentes de segurança no Grande Rio em 2025. Quem a matou, na frente de familiares, foi um soldado da Polícia Militar, seu namorado. Com mais esse caso, 2025 se tornou o ano com mais registros de feminicídios cometidos por agentes na nossa série histórica. Mais uma vez, a arma que deveria proteger a população acabou sendo usada para tirar a vida de uma mulher.
Menos de dez dias depois, na madrugada do dia 17 de outubro, Jaqueline Rafaela, de 51 anos, foi executada por um policial militar. Desta vez, foram pelo menos cinco tiros. O sargento da PM matou a própria esposa na comunidade do Terreirão, no Recreio dos Bandeirantes, Zona Sudoeste do Rio. Chegamos a nove mulheres vitimadas por agentes de segurança no ano. E isso reflete uma proporção assustadora: dos 19 casos de feminicídio e tentativa registrados esse ano no Grande Rio, 47% foram cometidos por agentes de segurança. Quase metade!
Durante os doze meses de 2024, registramos somente um caso de feminicídio cometido por agentes no Grande Rio. Em 2023, o ano que registrou o segundo maior número, foram seis casos. Ainda faltam dois meses para 2025 acabar e já mapeamos nove vítimas, com sete mulheres mortas e duas feridas.
É preciso considerar tudo que envolve casos como esses: o Estado treinou esse homem, armou-o e forneceu a munição usada contra mulheres em situação de vulnerabilidade. O perfil desses crimes evidencia a gravidade do problema. A maioria dos casos acontece em contextos de relacionamentos íntimos — namoradas, esposas, ex-companheiras. São mulheres que muitas vezes já conviviam com violência doméstica, mas que enfrentavam um agressor com treinamento militar, acesso permanente a armamento letal e, frequentemente, proteção corporativa que aumenta o medo da vítima denunciar.
Isso aconteceu com Shayene Araújo, 27 anos. Ela foi morta pelo marido, um sargento da PM, dentro da casa do casal, em Maricá, na região metropolitana do Rio. O crime aconteceu na frente do filho dela, de 12 anos. Ela vivia sob ameaças, mas tinha receio de denunciar.
O recorde de 2025 no Grande Rio acende um alerta. É sintoma de um problema estrutural que exige respostas estruturais. É necessário implementar protocolos rigorosos de avaliação psicológica contínua dos agentes, criar mecanismos de controle efetivo do porte de armas fora de serviço e do acesso à munição. É fundamental estabelecer o recolhimento imediato de armamento em casos de denúncias de violência doméstica e punir exemplarmente os responsáveis.
Cada real investido em segurança pública que resulta em uma arma usada para matar uma mulher é um desvio de finalidade inaceitável. Cada feminicídio cometido por um agente do Estado nos obriga a questionar que segurança é essa que não protege mulheres dos homens que o Estado armou?
O Instituto Fogo Cruzado é a única organização a mapear especificamente feminicídios e tentativas de feminicídio cometidos por agentes de segurança. Em nossa série histórica, já identificamos 45 casos nas quatro regiões metropolitanas que monitoramos — Rio de Janeiro, Recife, Salvador e Belém —, com 32 mulheres mortas. São números que as instituições de segurança pública preferem não divulgar, talvez porque revelam uma verdade incômoda.
Vivianne não será a última vítima enquanto continuarmos tratando esse problema como se fosse exclusivamente violência doméstica. É principalmente uma questão de política pública, de controle institucional, de responsabilização do Estado.



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