O Supremo Tribunal Federal (STF) homologou parcialmente, na quinta-feira, dia 3, o plano de redução da letalidade policial apresentado pelo Estado do Rio de Janeiro. O Tribunal determinou a adoção de medidas para a elaboração de um plano para a recuperação territorial de áreas atingidas por organizações criminosas e a instauração de um inquérito, pela Polícia Federal, para apurar concretos de crimes com repercussão interesseadual e internacional.
O julgamento da chamada “ADPF das Favelas” começou em fevereiro deste ano e foi suspenso após o voto do ministro Edson Fachin, que atendeu a uma ponderação do presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, para que o colegiado buscasse a construção de consensos sobre os diversos pontos apresentados.
Voto conjunto
Na sessão, Fachin apresentou um voto conjunto com o objetivo de reflexão a posição consensual ou, em alguns casos, majoritária do colegiado. Ele explicou que o voto proferido inicialmente foi o ponto de partida para um diálogo entre os membros do Tribunal passando à identificação de pontos de consenso e aprimoramento dos diversos aspectos apresentados. De acordo com o relator, as alterações promovidas demonstram a preocupação do STF com a situação da segurança pública e das condições de trabalho das forças policiais no Estado do Rio de Janeiro.
Fachin destacou que a solução consensual aponta um caminho seguro para o encerramento da ação e reflete, entre outros pontos, uma maior autonomia que deve ser dada ao governo estadual pelo compromisso demonstrado para cumprir as determinações do STF.
Ao encerrar a sessão, o presidente do STF destacou que este é o primeiro caso em que o STF emitiu uma decisão colegiada obtida a partir de um consenso entre todos os seus integrantes. Em nome do Tribunal, Barroso manifestou solidariedade a todas as famílias de vítimas da letalidade policial e aos dos agentes de segurança pública vitimados em confronto com criminosos. “O STF tem compromisso com os direitos humanos e com a segurança pública de todas as pessoas, inclusive das que moram em comunidades pobres, que têm os mesmos direitos de todos os demais”, disse.
Ele reiterou a importância da reocupação territorial das comunidades, que não deve ser apenas física, mas também proporcionar acesso à saúde, educação, cultura, esporte, lazer e integração social e os serviços oferecidos ao restante da sociedade.
Natureza estrutural
O voto confirma a natureza estrutural do litígio, a omissão parcial do Estado e a violação de direitos fundamentais e a violação de direitos humanos por parte das organizações criminosas que ocupam territórios e cerceiam direitos de locomoção da população e das forças de segurança.
O relator comentou que, embora a política de redução de letalidade ainda esteja longe do ideal constitucional, o STF entende que, desde o início da tramitação da ação, há mais de cinco anos, o Estado do Rio de Janeiro apresentou compromisso significativo com a determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) no caso Favela Nova Brasília, que obteve omissão relevante e demora do estado na elaboração de um plano para a redução da letalidade dos agentes de segurança.
Nesse sentido, destacou a instalação de câmeras nos uniformes policiais, a instituição de um protocolo de comunicação das operações e as notificações ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro sobre transações, possibilitando seu envio.
Plano de reocupação de territórios
Segundo a decisão, o Estado do Rio de Janeiro e os municípios específicos devem elaborar um plano para a reocupação territorial de áreas que atualmente estão sob domínio de organizações criminosas. O objetivo é viabilizar a presença permanente do poder público por meio da instalação de equipamentos públicos, de políticas externas à juventude e da qualificação de serviços básicos para estas regiões.
Investigação sobre crimes interessantes
O Tribunal também determinou que a Polícia Federal abra inquérito para apurar concretos de crimes com repercussão interessante e internacional que excluam a repressão uniforme e a transparência dos direitos humanos decorrentes da ocupação de comunidades por organizações criminosas. De acordo com o ministro, a PF poderá atuar em conjunto com as forças de segurança estaduais para identificar organizações criminosas que atuam no estado, suas lideranças e seu modo de operação, especialmente em movimentações financeiras.
Outra determinação é para que o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), a Receita Federal e a Secretaria de Estado da Fazenda do Rio de Janeiro considerem uma prioridade máxima para atendimento das diligências relativas a inquéritos policiais abertos para essas investigações
Grupo de inteligência com dedicação exclusiva
O colegiado determinou que a Polícia Federal instaure imediatamente um inquérito, com equipe de dedicação exclusiva e atuação permanente externa para produção de inteligência e à condução de investigações sobre a atuação dos principais grupos de crimes violentos em atividade no Estado e suas conexões com agentes públicos. As investigações devem dar ênfase à repressão às milícias, aos crimes de tráfico de armas, munições e acessórios, de drogas e lavagem de capitais, sem prejuízo da atuação dos órgãos estaduais em suas respectivas atribuições.
Mortes em decorrência de intervenção policial
O Tribunal determinou que, quando houver mortes de civis ou de agentes de segurança pública, em decorrência de intervenção policial, o Ministério Público estadual deverá ser comunicado imediatamente para que, se entender cabível, determine a comparação de um promotor de Justiça ao local dos fatos.
Mais prazo para instalação de câmeras
Em relação à instalação de equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas fardas dos agentes de segurança, foi reconhecido que o governo estadual já tomou diversas disposições e, nesse sentido, o prazo para a comprovação da implantação das câmeras nas viaturas da Polícia Militar e da Polícia Civil foi ampliado de 120 para 180 dias. No caso da Polícia Civil, os agentes utilizarão câmeras nas fardas apenas nas atividades de patrulhamento e policiamento ostensivo e em operações policiais planejadas.
Uso da força
Quanto ao uso da força em operações policiais, o colegiado entendeu que deveriam ser observadas as disposições previstas na Lei 13.060/2014 e em sua regulamentação, que trata do uso de instrumentos de menor potencial ofensivo. Dessa forma, caberia às próprias forças de segurança avaliar e definir o grau de força adequado a cada contexto, observando a proporcionalidade das ações e, preferencialmente, com o planejamento prévio das operações. Será possível prever operações de emergência posteriormente, mas os órgãos de controle e o Poder Judiciário avaliarão as justificativas.
Saúde mental
Foi dado prazo de 180 dias para que o governo estadual criasse um programa de assistência à saúde mental dos profissionais de segurança pública. O atendimento psicossocial deverá ser obrigatório sempre que haja envolvimento em incidente crítico. A regulamentação também deverá prever a aferição da letalidade excessiva na atuação funcional, estabelecendo parâmetros a partir do qual o profissional da área de saúde mental avaliará a necessidade de afastamento preventivo das atividades de policiamento ostensivo. Nesse caso, o retorno às atividades fica a selecionado da corporação.
Grupo de trabalho
O relator também determinou a criação de um grupo de trabalho para acompanhar o cumprimento da decisão do Supremo e, em conjunto com o governo estadual, apoiar sua implementação. O comitê será coordenado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que definirá sua composição observando as diretrizes definidas na decisão.
Em conjunto com as Corregedorias dos Ministérios Públicos locais, o CNMP publicará relatórios semestrais de transparência com informações sobre o controle externo da atividade policial, com dados objetivos de atuação e resultados, discriminando as unidades responsáveis.
Violação de direitos
A ação foi apresentada em 2019 pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), que alega violação massiva de direitos fundamentais no estado, em razão da omissão estrutural do poder público em relação ao problema.
Para o partido, há um quadro de grave denúncia generalizada de direitos humanos na razão do descumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) no caso Favela Nova Brasília. A decisão tomou a missão relevante e demora do Estado do Rio de Janeiro na elaboração de um plano para a redução da letalidade dos agentes de segurança. As decisões da Corte IDH são vinculantes ao Estado brasileiro, ou seja, representam uma obrigação.
Acompanharam a conclusão do julgamento, no Plenário do STF, a ministra da Igualdade Racial, Aniellle Franco, o governador do Estado do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, o prefeito do Município do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, e representantes das diversas instituições admitidas com terceiros interessados na ADPF 635, como Movimento Mães de Manguinhos, Redes de Comunidades e Movimentos contra a Violência, Movimento Mães de Acari e Rede Nacional de Mães e Familiares de Vítimas de Terrorismo de Estado, além dos deputados federais Pastor Henrique Vieira e Tarcísio Mota (PSOL-RJ).
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