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Estudo revela que violência nas periferias tira o futuro de crianças no Rio

Estudo revela que violência nas periferias tira o futuro de crianças no Rio

Estudo revela que violência nas periferias tira o futuro de crianças no Rio
Imagine duas crianças da mesma idade, com perfis socioeconômicos similares, frequentando escolas públicas no Rio de Janeiro. Ambas chegam todos os dias às escolas com a mesma vontade de aprender, mas apenas uma consegue alcançar seu potencial pleno. A diferença? O CEP. Esta não é uma hipótese: é a realidade documentada pela segunda parte do estudo “Educação Sob Cerco”, que pela primeira vez conseguiu objetivar numericamente algo que educadores e famílias das periferias sabem há décadas — a violência armada rouba o futuro de nossas crianças.

A segunda parte do estudo realizado pela UNICEF, Instituto Fogo Cruzado, GENI e CERES, foi lançado hoje e comprovou que estudantes de escolas em áreas dominadas por grupos armados, na região metropolitana do Rio de Janeiro em 2019, apresentaram desempenho no Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) até 10 pontos, inferior aos colegas de regiões que não vivem sob o domínio de grupos armados. Para quem não está familiarizado com essas métricas educacionais, essa diferença equivale a cerca de seis meses de aprendizagem perdidos. Meses que jamais serão recuperados. Seis meses que se acumulam ao longo dos anos letivos, criando abismos educacionais.

A violência armada crônica — aquela que não aparece nos telejornais porque já se tornou rotina — opera como uma máquina silenciosa de produção de desigualdades. Enquanto apenas 19% dos estudantes em áreas não dominadas da capital apresentam conhecimentos classificados como "abaixo do básico", esse percentual salta para níveis alarmantes que chegam a 25,4% em algumas localidades controladas por grupos armados. No entorno metropolitano os números são respectivamente 32,4% e 38,7%. São milhares de crianças condenadas ao fracasso escolar não por falta de capacidade ou esforço, mas pela violência que permeia seus territórios escolares.

A primeira parte do estudo, lançado em maio, revelou que 4.400 confrontos ocorreram próximos a escolas no Grande Rio em 2022, afetando 46% das unidades de ensino da região. Uma escola de São Gonçalo registrou 18 episódios de violência armada aguda em ações policiais, com média de um confronto a cada duas semanas letivas, liderando o ranking de unidades mais afetadas. Como esperar que uma criança se concentre quando precisa se esconder embaixo da carteira para não virar estatística? Como cobrar dedicação aos estudos de adolescentes que convivem diariamente com o medo de não voltar para casa.

Mas o impacto da violência vai além das notas: ela tira os jovens da escola. Em áreas não dominadas por grupos armados, a taxa de abandono escolar no 3º ano do ensino médio ficou em 7,2%, em 2022. Já em territórios controlados por grupos armados, esse índice variou entre 9% e 9,6%, chegando ao absurdo de 12,5% em áreas dominadas pelas facções de tráfico de drogas na capital, enquanto o entorno metropolitano registrou a maior taxa de abandono escolar em área de milícia, com 7,9%. Escolas que registraram mais de três confrontos ao longo do ano apresentaram taxa de abandono superior a 10% contra 7,7% em locais sem violência armada aguda.

Esses dados escancaram uma verdade incômoda e comprova que não é apenas a falta de investimento em educação que condena nossas crianças ao fracasso escolar. A violência armada funciona como uma desvantagem cumulativa que corrói até mesmo os efeitos esperados de fatores socioeconômicos e esforços familiares. Pouco adianta a mãe acordar cedo para levar o filho à escola se a unidade está constantemente na linha de tiro. Ou o esforço do professor dedicado se suas aulas são interrompidas pelo som de disparos. O investimento em material didático perde valor se os estudantes estão traumatizados demais para aprender.

O mais perverso é que essa realidade se naturalizou. Nos acostumamos com as notícias de aulas suspensas por tiroteios, com crianças deitadas no chão de ônibus escolares, com adolescentes que desistem dos estudos. Normalizamos o inaceitável e, pior ainda, culpamos as próprias vítimas pelo fracasso escolar. Na primeira parte do estudo mostramos também que escolas na Zona Norte do Rio foram afetadas 1.714 vezes com tiroteios em um ano. No mesmo período, alunos da Zona Sul foram afetados 86 vezes por tiroteios entre grupos armados. 

O estudo teve à disposição dados que vão até 2022, mas seguimos com a mesma realidade: gestores públicos continuam apostando em operações policiais, confrontos, violência como solução para a violência. Ignoram completamente que cada tiroteio não apenas coloca vidas em risco imediato, mas condena gerações ao atraso educacional. Não podemos fazer de conta que é possível construir um país desenvolvido mantendo milhões de crianças e adolescentes reféns da violência armada.

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