Para os dois ministros, Moro atuou com o objetivo de inviabilizar a participação do ex-presidente Lula nas eleições
Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), votaram, na sessão desta terça-feira (9) da Segunda Turma, pelo reconhecimento da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro na condução da ação penal que culminou na condenação do ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva por corrupção passiva e lavagem de dinheiro referentes ao triplex em Guarujá (SP). Para os ministros, Moro teve interesse político na condenação de Lula e atuou com o objetivo de inviabilizar sua participação na vida política nacional. O julgamento do Habeas Corpus (HC) 164493 foi suspenso por pedido de vista do ministro Nunes Marques.O caso começou a ser julgado pela Segunda Turma em dezembro de 2018, quando, após os votos do relator, ministro Edson Fachin, e da ministra Cármen Lúcia, que não conheceram do habeas corpus, o ministro Gilmar Mendes pediu vista.
Continuidade
No início da sessão, a Turma decidiu dar continuidade ao julgamento do habeas corpus, por concluir que a decisão monocrática proferida pelo ministro Edson Fachin nesta segunda-feira (8) no HC 193726, que anulou condenações de Lula pelo juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba (PR) e declarou a perda do objeto de 14 ações apresentadas pela sua defesa, não impede a análise da suspeição, pois pode vir a ser modificada em caso de recurso.
Imparcialidade
Primeiro a votar na sessão de hoje, o ministro Gilmar Mendes expôs sete fatos que, a seu ver, denotam a falta de imparcialidade do juiz. O primeiro foi a ordem de condução coercitiva de Lula, sem sua intimação pessoal prévia, que não respeitou as balizas legais e propiciou uma exposição atentatória à dignidade e à presunção de inocência do investigado. Ele lembrou que, antes do procedimento, Lula já havia sido intimado e prestado depoimento em pelo menos quatro vezes, espontaneamente.
Na avaliação do ministro, a quebra de sigilos telefônicos de Lula, de seus familiares e de seus advogados teve o intuito de monitorar e antecipar as estratégias defensivas, em flagrante violação do direito constitucional à ampla defesa. “Interceptação de escritório de advocacia é coisa de regime totalitário”, afirmou.
A divulgação de conversas obtidas nessas interceptações por Moro, mesmo sabendo que não tinha mais competência para tanto, diante da menção da então presidente Dilma Rousseff (autoridade com prerrogativa de foro), também demonstra, para o ministro, o intuito de expor publicamente Lula, que, naquele momento, havia sido nomeado ministro da Casa Civil da Presidência da República.
Outro fato apontado foi a atuação de Moro, mesmo sem jurisdição sobre o caso e em período de férias, para evitar o cumprimento da ordem de soltura de Lula concedida pelo desembargador federal Rogério Favreto. O quinto fato coincide com a prolação da sentença na ação penal do chamado Caso Triplex, quando o ex-juiz teria afirmado que a defesa havia atuado de modo agressivo, com comportamentos processuais inadequados, visando ofendê-lo. Corroboram a tese de que a condenação foi injusta, na sua avaliação, a negativa do juiz à produção de provas complementares e a falta de delimitação precisa de um ato do ofício, essencial para a caracterização do crime de corrupção.
Gilmar Mendes mencionou, ainda, o levantamento do sigilo de depoimentos do ex-ministro Antônio Palocci Filho em acordo de colaboração premiada na semana anterior ao primeiro turno das eleições de 2018, “cuidadosamente planejada para gerar um verdadeiro fato político”. Finalmente, considerou que o fato de Moro aceitar o convite do presidente eleito Jair Bolsonaro para ocupar o Ministério da Justiça denuncia que o ex-juiz tinha interesse político na condenação e na prisão de Lula.
Limites
Ao concluir seu voto, o ministro Gilmar Mendes afirmou que o combate à corrupção deve ter limites. “Não podemos aceitar a desvirtuação do próprio Estado de Direito”, afirmou. “Não podemos aceitar que uma pena seja imposta pelo Estado de modo ilegítimo nem que o Estado viole suas próprias regras”.
Ele votou pela concessão do habeas corpus para determinar a anulação de todas as decisões de Moro no caso do triplex do Guarujá, incluindo os atos praticados na fase pré-processual. Ressaltou, no entanto, que a suspeição do ex-juiz se fundamenta em fatos concretos e específicos em relação a Lula, em razão de interesses políticos próprios, e não se estende a outros processos ou réus da Lava Jato.
Perplexidade
Ao seguir o voto do ministro Gilmar Mendes, o ministro Ricardo Lewandowski apontou ofensas à imparcialidade do magistrado e ao princípio do juiz natural. De acordo com ele, não há indícios ou fatos que pudessem vincular a ação penal ao juízo de primeiro grau de Curitiba, levando em consideração que o titular do bem jurídico, no caso dos autos, foi a União. “Causa perplexidade que, a qualquer custo, este e outros processos sejam levados para Curitiba”, afirmou.
O ministro também salientou a ausência de base legal para a condução coercitiva de Lula, que classificou como “violência inominável”, por não ter observado os requisitos legais e pelo fato de Lula jamais ter se eximido de comparecer a qualquer ato processual. Para Lewandowski, é igualmente inaceitável a autorização para a interceptação telefônica de Lula, de seus familiares e dos advogados antes da adoção de outras medidas investigativas, assim como a determinação de levantamento do sigilo dos áudios captados e a publicidade de seu conteúdo.
Para o ministro, ficou claro, ainda, o abuso de poder do ex-magistrado e “seu completo menosprezo” pelo sistema processual, por meio da usurpação das atribuições do Ministério Público Federal e da Polícia Federal.
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