Após enchentes no fim do ano passado, obras que, inicialmente, eram para o desassoreamento do rio avançaram para o desvio de seu curso natural
O curso natural do Rio Bracuí – que nasce em Bananal–SP – está sendo alterado em sua foz, que fica na cidade de Angra dos Reis–RJ, por obras encampadas pela prefeitura angrense. Para impedir esse dano ambiental, o Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação civil pública, com pedido de liminar, para a imediata suspensão dos efeitos da autorização ambiental que liberou as obras.
Em junho deste ano, o MPF já havia expedido recomendação à Prefeitura de Angra dos Reis, para que mantivesse as obras no rio apenas para as atividades de desassoreamento – retirada de sedimentos da água –, sem que houvesse qualquer alteração no curso natural do rio. No entanto, a recomendação não foi acatada.
O objetivo do MPF, ao levar o caso à Justiça, é interromper as obras licenciadas irregularmente e em execução, especificamente as atividades de enrocamento – disposição de estrutura em pedra para proteger as margens da erosão – e retificação do curso d'água, bem como busca, judicialmente, a recuperação da área degradada.
O MPF requer, ainda, o respeito à consulta prévia, livre e informada (Convenção OIT nº 169) da comunidade de Remanescentes de Quilombo de Santa Rita do Bracuí, que vive às margens do rio e está sofrendo com os impactos das obras. O enrocamento restringirá o acesso dos quilombolas ao rio, com o qual possuem relação de vínculo econômico, histórico e cultural.
Enchentes – Em dezembro de 2023, fortes chuvas atingiram a região do Bracuí. Segundo informações da Defesa Civil Municipal, foram registrados 250 milímetros de chuva num período de 24 horas. O alto volume pluviométrico, somado ao fato de a maré encontrar-se cheia no momento das chuvas, provocou a inundação do rio, provocando duas mortes e deixando mais de 300 desabrigados.
O volume de água causou um grande impacto no Rio Bracuí, destruindo parte de sua mata ciliar e aumentando consideravelmente o assoreamento. Em janeiro de 2024, mais uma chuva forte atingiu a região, mas em volumes menores que aqueles registrados no mês anterior. Em razão do assoreamento causado pelas chuvas de dezembro de 2023, o rio passou a alagar com mais facilidade, oferecendo riscos à população.
Após as enchentes, o Município de Angra dos Reis celebrou contrato, no valor de R$ 102 milhões, com a empresa Valle Sul Construtora e Mineradora Ltda para execução de obras de desassoreamento e enrocamento ao longo de 7km desde a foz do rio. Essas obras iniciaram-se em março de 2024 e encontram-se, atualmente, em acelerada fase de execução.
Irregularidades – Além dos problemas ambientais, as obras no Rio Bracuí apresentam outras irregularidades, como a falta de competência do município para licenciar as atividades; a insuficiência de elementos técnicos e estudos que garantam a segurança e a adequação necessárias; e o descumprimento da Convenção 169 da OIT. Instrumento que tem força de lei no Brasil.
Na ação civil pública, o MPF argumenta que a autorização ambiental para as obras – emitida de forma emergencial pelo Instituto Municipal do Ambiente de Angra dos Reis (Imaar) – está em desacordo com decreto estadual sobre o tema, que define que as autorizações emergenciais devem ter prazo limite de seis meses.
Outro questionamento sobre a licença ambiental reside no fato de que a autorização se restringe apenas a obras de desassoreamento e enrocamento. No entanto, o projeto básico apresentado no processo de licenciamento indicava a intenção de se realizar a retificação do curso d'água. Inclusive, em maio de 2024 este redesenho já estava sendo executado em diversos trechos do rio.
O MPF questiona ainda, na ação, o fato de o Rio Bracuí ser de domínio da União, já que nasce em São Paulo e deságua no Rio de Janeiro, enquanto o convênio firmado entre Instituo Estadual do Ambiente (Inea) e o Município de Angra dos Reis fixava, em seu objeto, a delegação de competência apenas aos rios e lagoas de domínio estadual, localizados integralmente na cidade.
Para a procuradora da República Fabiana Schneider, autora da ação, não se trata de questionar a necessidade de realizar obras que melhorem o fluxo das águas no Rio Bracuí. “A solução apresentada pelo município vai muito além do desassoreamento ao prever a construção de quilômetros de enrocamento e a retificação do curso natural do rio, intervenções para as quais não foram apresentados fundamentos técnicos e legais. Isso torna a situação ainda mais grave, pois estas intervenções causarão impactos permanentes ao meio ambiente e sequer foram indicadas e analisadas as consequências disso”, alerta.
Outro ponto de questionamento é que, passado o período emergencial após a tragédia, Angra dos Reis continuou a tratar todo o caso como uma obra emergencial, baseado tão somente em estudos preliminares. “As obras em execução extrapolam o escopo do que seria emergencial, pois alteram permanentemente a drenagem natural, a seção de escoamento fluvial do rio. O mínimo que se espera, diante de tal situação, é mais diálogo e rigor técnico nos estudos das obras e dos impactos que causarão. Não se pode atribuir um caráter absoluto de urgência ao caso baseado apenas em estudos preliminares”, pondera a procuradora.
Mudanças climáticas e geodireito – A ação civil pública destaca que o assunto precisa ser discutido considerando as múltiplas alternativas arquitetônicas e de engenharia existentes, contemplando questões atinentes ao geodireito - que se dedica a examinar as interações entre o direito, a geopolítica e a geografia. Nesse sentido, a ação aponta a necessidade de que as soluções propostas para a resolução de problemas ambientais estejam embasadas em subsídios técnicos ou diálogo com outros órgãos, a comunidade científica e a sociedade civil.
Um dos exemplos citados na ação é a transformação de cidades tradicionais em cidades esponja, o que representa uma estratégia urbanística para facilitar uma integração mais equilibrada entre o ambiente natural, os efeitos das mudanças climáticas e as infraestruturas urbanas, visando maior sustentabilidade e resiliência. “Não se trata de um problema ambiental a ser resolvido, mas sim uma solução socioambientalmente adequada para um problema urbanístico”, diz trecho da ação.
Pedidos – Na ação civil pública, entre outros pedidos, o MPF requer que o Município de Angra dos Reis mantenha apenas as obras no Rio Bracuí no que refere ao desassoreamento, respeitando a calha natural do corpo hídrico. A prefeitura também não deve realizar obras ou qualquer atividade de enrocamento e de alteração do curso do rio Bracuí até que seja realizado o devido licenciamento ambiental, com aprovação de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) e estudo hidrológico, entre outros.
O MPF pede ainda à Justiça que determine a realização de consulta livre, prévia e informada da Comunidade de Remanescentes do Quilombo Santa Rita do Bracuí.
Ao Imaar, a ação pede que o órgão não emita novas licenças ou autorizações para realização de atividades no Rio Bracuí. À empresa Valle Sul, que mantenha as obras no rio restritas ao desassoreamento.
Em junho deste ano, o MPF já havia expedido recomendação à Prefeitura de Angra dos Reis, para que mantivesse as obras no rio apenas para as atividades de desassoreamento – retirada de sedimentos da água –, sem que houvesse qualquer alteração no curso natural do rio. No entanto, a recomendação não foi acatada.
O objetivo do MPF, ao levar o caso à Justiça, é interromper as obras licenciadas irregularmente e em execução, especificamente as atividades de enrocamento – disposição de estrutura em pedra para proteger as margens da erosão – e retificação do curso d'água, bem como busca, judicialmente, a recuperação da área degradada.
O MPF requer, ainda, o respeito à consulta prévia, livre e informada (Convenção OIT nº 169) da comunidade de Remanescentes de Quilombo de Santa Rita do Bracuí, que vive às margens do rio e está sofrendo com os impactos das obras. O enrocamento restringirá o acesso dos quilombolas ao rio, com o qual possuem relação de vínculo econômico, histórico e cultural.
Enchentes – Em dezembro de 2023, fortes chuvas atingiram a região do Bracuí. Segundo informações da Defesa Civil Municipal, foram registrados 250 milímetros de chuva num período de 24 horas. O alto volume pluviométrico, somado ao fato de a maré encontrar-se cheia no momento das chuvas, provocou a inundação do rio, provocando duas mortes e deixando mais de 300 desabrigados.
O volume de água causou um grande impacto no Rio Bracuí, destruindo parte de sua mata ciliar e aumentando consideravelmente o assoreamento. Em janeiro de 2024, mais uma chuva forte atingiu a região, mas em volumes menores que aqueles registrados no mês anterior. Em razão do assoreamento causado pelas chuvas de dezembro de 2023, o rio passou a alagar com mais facilidade, oferecendo riscos à população.
Após as enchentes, o Município de Angra dos Reis celebrou contrato, no valor de R$ 102 milhões, com a empresa Valle Sul Construtora e Mineradora Ltda para execução de obras de desassoreamento e enrocamento ao longo de 7km desde a foz do rio. Essas obras iniciaram-se em março de 2024 e encontram-se, atualmente, em acelerada fase de execução.
Irregularidades – Além dos problemas ambientais, as obras no Rio Bracuí apresentam outras irregularidades, como a falta de competência do município para licenciar as atividades; a insuficiência de elementos técnicos e estudos que garantam a segurança e a adequação necessárias; e o descumprimento da Convenção 169 da OIT. Instrumento que tem força de lei no Brasil.
Na ação civil pública, o MPF argumenta que a autorização ambiental para as obras – emitida de forma emergencial pelo Instituto Municipal do Ambiente de Angra dos Reis (Imaar) – está em desacordo com decreto estadual sobre o tema, que define que as autorizações emergenciais devem ter prazo limite de seis meses.
Outro questionamento sobre a licença ambiental reside no fato de que a autorização se restringe apenas a obras de desassoreamento e enrocamento. No entanto, o projeto básico apresentado no processo de licenciamento indicava a intenção de se realizar a retificação do curso d'água. Inclusive, em maio de 2024 este redesenho já estava sendo executado em diversos trechos do rio.
O MPF questiona ainda, na ação, o fato de o Rio Bracuí ser de domínio da União, já que nasce em São Paulo e deságua no Rio de Janeiro, enquanto o convênio firmado entre Instituo Estadual do Ambiente (Inea) e o Município de Angra dos Reis fixava, em seu objeto, a delegação de competência apenas aos rios e lagoas de domínio estadual, localizados integralmente na cidade.
Para a procuradora da República Fabiana Schneider, autora da ação, não se trata de questionar a necessidade de realizar obras que melhorem o fluxo das águas no Rio Bracuí. “A solução apresentada pelo município vai muito além do desassoreamento ao prever a construção de quilômetros de enrocamento e a retificação do curso natural do rio, intervenções para as quais não foram apresentados fundamentos técnicos e legais. Isso torna a situação ainda mais grave, pois estas intervenções causarão impactos permanentes ao meio ambiente e sequer foram indicadas e analisadas as consequências disso”, alerta.
Outro ponto de questionamento é que, passado o período emergencial após a tragédia, Angra dos Reis continuou a tratar todo o caso como uma obra emergencial, baseado tão somente em estudos preliminares. “As obras em execução extrapolam o escopo do que seria emergencial, pois alteram permanentemente a drenagem natural, a seção de escoamento fluvial do rio. O mínimo que se espera, diante de tal situação, é mais diálogo e rigor técnico nos estudos das obras e dos impactos que causarão. Não se pode atribuir um caráter absoluto de urgência ao caso baseado apenas em estudos preliminares”, pondera a procuradora.
Mudanças climáticas e geodireito – A ação civil pública destaca que o assunto precisa ser discutido considerando as múltiplas alternativas arquitetônicas e de engenharia existentes, contemplando questões atinentes ao geodireito - que se dedica a examinar as interações entre o direito, a geopolítica e a geografia. Nesse sentido, a ação aponta a necessidade de que as soluções propostas para a resolução de problemas ambientais estejam embasadas em subsídios técnicos ou diálogo com outros órgãos, a comunidade científica e a sociedade civil.
Um dos exemplos citados na ação é a transformação de cidades tradicionais em cidades esponja, o que representa uma estratégia urbanística para facilitar uma integração mais equilibrada entre o ambiente natural, os efeitos das mudanças climáticas e as infraestruturas urbanas, visando maior sustentabilidade e resiliência. “Não se trata de um problema ambiental a ser resolvido, mas sim uma solução socioambientalmente adequada para um problema urbanístico”, diz trecho da ação.
Pedidos – Na ação civil pública, entre outros pedidos, o MPF requer que o Município de Angra dos Reis mantenha apenas as obras no Rio Bracuí no que refere ao desassoreamento, respeitando a calha natural do corpo hídrico. A prefeitura também não deve realizar obras ou qualquer atividade de enrocamento e de alteração do curso do rio Bracuí até que seja realizado o devido licenciamento ambiental, com aprovação de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) e estudo hidrológico, entre outros.
O MPF pede ainda à Justiça que determine a realização de consulta livre, prévia e informada da Comunidade de Remanescentes do Quilombo Santa Rita do Bracuí.
Ao Imaar, a ação pede que o órgão não emita novas licenças ou autorizações para realização de atividades no Rio Bracuí. À empresa Valle Sul, que mantenha as obras no rio restritas ao desassoreamento.
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