A advogada criminalista Suéllen Paulino o uso desses bonecos pode ultrapassar o campo da fantasia e adentrar a seara da ilicitude em várias situações
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Confeccionar certidão de nascimento ou cartão de vacinação de bebe reborn pode configurar falsidade ideológica, diz advogada / Imagem: reprodução |
"Não estamos falando apenas de brinquedos. Há registros crescentes de adultos que simulam maternidade real com bebês reborn, registram os bonecos com nomes fictícios, fazem ensaios fotográficos, realizam “batizados” simbólicos e até solicitam licenças ou benefícios sociais. Algumas pessoas estão indo a unidades de pronto atendimento (UPAs) com os bonecos nos braços, exigindo atendimento médico como se estivessem diante de uma criança viva, o que tem gerado perplexidade entre profissionais de saúde e usuários do SUS", diz a advogada criminalista Suéllen Paulino.
Esse tipo de conduta, embora muitas vezes associada a quadros psicológicos ou lutos mal elaborados, já está chegando aos legisladores. Projetos de lei começam a surgir em alguns estados e municípios para proibir o atendimento de bonecos reborn em hospitais públicos, buscando proteger os recursos do sistema de saúde e evitar desvio de finalidade. A pergunta que se impõe é: onde está o limite entre o simbólico e o patológico?
Riscos jurídicos: fraude, falsidade ideológica e má-fé
Segundo Suéllen Paulino, do ponto de vista jurídico, o uso desses bonecos pode ultrapassar o campo da fantasia e adentrar a seara da ilicitude em várias situações. Ela citou alguns:
— Fraudes em pedidos de benefícios sociais, como Bolsa Família, auxílio-maternidade ou isenção de tarifas;
— Simulações enganosas em redes sociais com finalidades de arrecadação de dinheiro sob pretexto de adoção, luto ou tratamento de “filhos” que não existem;
— Confecção de documentos falsos, como supostas certidões de nascimento ou carteiras de vacinação, podendo configurar falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal).
"Além disso, há a insegurança jurídica gerada quando serviços públicos são acionados em contextos simulados, ocupando vagas e recursos que deveriam estar disponíveis para cidadãos reais, especialmente crianças em situação de vulnerabilidade", completa.
Suéllen Paulino diz que o Direito deve se posicionar com urgência sobre o uso desses bonecos. "O ordenamento jurídico brasileiro valoriza a autonomia da vontade e a liberdade individual. Cada pessoa é livre para lidar com suas emoções e afetos da maneira que entender mais adequada, inclusive com uso simbólico de objetos. No entanto, o uso dos bebês reborn não pode se transformar em um escudo para fraudes, desperdício de recursos públicos ou dissimulações capazes de comprometer a integridade do sistema legal e social".
A advogada esclarece que a ausência de regulação específica deixa margem para abusos. "É urgente que o Legislativo, a Psicologia e o Direito caminhem juntos para delimitar até onde vai o uso lícito e legítimo desses bonecos e a partir de que ponto passa a haver desvio de finalidade, má-fé ou até crime".
Suéllen Paulo destaca que o debate sobre os bebês reborn não é sobre proibir ou estigmatizar quem encontra afeto neles. "Mas é necessário reconhecer que o avanço desse fenômeno exige respostas jurídicas, éticas e sociais proporcionais à complexidade do tema. Precisamos garantir que a fantasia não se sobreponha à realidade — especialmente em um país onde tantas crianças reais ainda esperam por acolhimento, assistência e justiça", finaliza.
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