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O que está por trás do modelo da superprodução da habitação nas cidades brasileiras?

O que está por trás do modelo da superprodução da habitação nas cidades brasileiras?

Publicação organizada por pesquisadora do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP analisa impactos da financeirização na habitação em cidades médias. A obra está disponível gratuitamente no site da Editora Letra Capital

O que está por trás do modelo da superprodução da habitação nas cidades brasileiras?

Casas do programa Minha Casa, Minha Vida no bairro Jardim Cristo Redentor, na cidade de Ribeirão Preto, em São Paulo — Foto: Divulgação/Terra, Céu e Mar/Youtube

Em 2025, o governo federal anunciou que pretende alcançar 3 milhões de novas unidades habitacionais contratadas até 2026 na nova linha do programa Minha Casa, Minha Vida para famílias com renda entre R$ 8 mil e R$ 12 mil. A estratégia, conforme divulgado pela Agência Brasil, busca reduzir o déficit habitacional e ampliar o acesso à moradia para camadas médias da população. Mas como esse esforço tem se traduzido no território urbano, especialmente fora dos grandes centros? Essa é uma das perguntas centrais do livro A cidade em portfólio: superprodução da habitação e fronteiras da financeirização imobiliária, organizado por Lucia Shimbo, professora do Instituto de Arquitetura e Urbanismo (IAU) da USP.

A obra foi lançada durante o XXI Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (Enanpur) e está disponível gratuitamente no site da Editora Letra Capital neste link. Ela apresenta evidências de que, nas últimas décadas, cidades do interior paulista passaram por uma intensa produção de habitação. De acordo com o material, o fenômeno da superprodução se concentra principalmente nas faixas 2 e 3 do programa MCMV voltadas à classe média e média-baixa.

“O livro nasce de um projeto de pesquisa financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), numa chamada especial com a Université de Lyon (França), sobre os processos de financeirização urbana, com foco na cidade de Ribeirão Preto”, esclarece a professora. O trabalho é resultado de uma pesquisa realizada entre 2021 e 2023 que examina como a produção de moradias e a lógica de investimento financeiro moldam cidades como Ribeirão Preto, em São Paulo. A escolha da cidade se deu pelo seu porte e localização.

Lucia Shimbo, professora do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP — Foto: Divulgação/IAU USP

Em 13 capítulos, elaborados por estudantes de graduação e de pós-graduação do IAU, assim como por outros pesquisadores que participaram do projeto, o trabalho mostra como instrumentos financeiros passaram a orientar a produção do espaço urbano. “A gente tem duas perspectivas para entender a financeirização no setor imobiliário. Uma é a expansão do mercado financeiro e dos seus atores e instrumentos nos processos de produção do espaço urbano. A outra perspectiva é a compreensão sobre como o uso desses instrumentos altera as estratégias das empresas do mercado imobiliário”, resume ela. Isso inclui desde habitações até galpões logísticos, cujo crescimento acelerado nos últimos anos se relaciona a essa nova lógica de mercado. “Você acelera essa produção. Quando a gente passa pelas rodovias que cortam o Estado, o que a gente vê? Muitos galpões de logística e prédios de até quatro pavimentos ou casas isoladas no lote, ou geminadas, que foram financiadas pelo Minha Casa, Minha Vida e que estão expandindo a urbanização.”

Reflexos da financeirização

O chamado processo de financeirização se ampara, em boa parte, no uso de títulos financeiros baseados em dívidas habitacionais. “Empresas juntam todos os créditos imobiliários dos consumidores que compraram unidades nos empreendimentos que a empresa tem em diferentes cidades e transformam essas dívidas em um título financeiro: os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI)”, explica a especialista. A operação, conhecida como securitização, é uma forma de antecipar receitas futuras. “Ela projeta para o futuro algo que quer acessar no presente. Eu sou investidora, tenho dinheiro agora, quero investir. Invisto nesse título, a empresa capta esse dinheiro imediatamente, ela investe na produção e vai me remunerar a longo prazo.”

Texto: Denis Pacheco

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