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MP pede à Justiça anulação de licença para construção de hotel de luxo em Paraty

MP pede à Justiça anulação de licença para construção de hotel de luxo em Paraty

Empreendimento é alvo de ação que cobra consulta a comunidades tradicionais e incorporação da variável climática no licenciamento
MP pede à Justiça anulação de licença para construção de hotel de luxo em Paraty
MP pede à Justiça anulação de licença para construção de hotel de luxo em Paraty / Foto: Adriano Martins (Paraty)
O Ministério Público ajuizou ação civil pública para anular a licença de instalação emitida pelo município de Paraty–RJ autorizando a construção do Hotel Spa Emiliano, empreendimento de luxo da empresa J Filgueiras Empreendimentos e Negócios Ltda. A ação pede liminarmente a suspensão imediata da licença de instalação, uma vez que, segundo o MPF, a construção poderá causar impactos ambientais severos e irreversíveis em ecossistemas frágeis e protegidos.

O MPF requer também que o estado do Rio de Janeiro assuma o processo de licenciamento, garantindo a inserção da variável climática nos respectivos estudos e adotando medidas de compensação durante todas as fases do empreendimento.

O licenciamento do Hotel Spa Emiliano tem sido alvo de questionamentos desde 2022. O MPF instaurou o inquérito civil público n.º 1.30.001.006290/2024–86, após constatar a ausência de consulta adequada a comunidades tradicionais caiçaras, quilombolas e indígenas da região, como determina a legislação nacional e os tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Também foi verificada omissão quanto à participação dos conselhos gestores ambientais e a aceleração incomum do processo no final de 2024, às vésperas da mudança de gestão municipal.

Em audiência pública realizada em 17 de junho de 2025 — convocada pelo município com a justificativa de cumprir a Convenção n.º 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) — foram convidadas apenas duas comunidades favoráveis ao projeto, em um evento organizado com apenas sete dias de antecedência. Comunidades indígenas, quilombolas e outras associações caiçaras não foram sequer notificadas formalmente. Para o MPF, o ato não atende aos requisitos mínimos de uma consulta prévia, livre e informada.

O MPF frisa que a área onde se pretende instalar o empreendimento é considerada sensível e estratégica para a conservação ambiental e proteção cultural. Além de estar situada dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) Cairuçu (Unidade de Conservação federal), está inserida em território reconhecido pela Unesco como Patrimônio Mundial Misto — o primeiro da América Latina com esse título — por reunir rica biodiversidade da Mata Atlântica e cultura tradicional caiçara.

A área do projeto também se encontra próxima à zona de amortecimento da Reserva Ecológica da Juatinga, a manguezais, cursos d’água, áreas de preservação permanente (APPs), além de terras indígenas, comunidades caiçaras e quilombolas. Há ainda previsão de supressão vegetal significativa para a instalação de cabanas, vilas e estruturas de lazer como beach club e spa, contrariando as diretrizes de zoneamento da APA.

Na ação, o MPF destaca que o projeto de arquitetura prevê infraestrutura de alto padrão — com piscinas e banheiras individuais em todas as unidades hoteleiras — o que implicaria forte pressão sobre os recursos hídricos e o saneamento local, além do aumento de circulação de veículos e pessoas em uma área de reconhecida sensibilidade ambiental. O órgão ainda reforça que a ausência de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (Rima) impossibilita a análise dos riscos sobre a biodiversidade, a paisagem natural, os bens culturais e os modos de vida das populações tradicionais do entorno.

Entre os principais pedidos, o MPF quer que a Justiça Federal obrigue os responsáveis a realizar o EIA e o Rima, exigidos pela Constituição para atividades com potencial de degradação ambiental significativa, a incluir a variável climática no processo de licenciamento, e a realizar consulta prévia, livre e informada às comunidades tradicionais diretamente ou indiretamente afetadas.

A ação pede também a condenação dos réus ao pagamento de R$ 3 milhões por danos morais coletivos, sendo R$ 1 milhão atribuído à empresa J Filgueiras, R$ 1 milhão ao estado do Rio de Janeiro e R$ 1 milhão ao município de Paraty.

O MPF busca assegurar que o desenvolvimento turístico e econômico na região ocorra com respeito ao meio ambiente, à legislação vigente e aos direitos das comunidades tradicionais. Para o órgão, o licenciamento conduzido exclusivamente pelo município de Paraty, sem os estudos e consultas devidas, compromete a legalidade do processo e expõe a região a riscos ambientais e culturais irreparáveis. A ação tramita na Justiça Federal de Angra dos Reis–RJ e aguarda apreciação da liminar.

Pedidos — Ao estado do Rio de Janeiro, o pedido é para que assuma o licenciamento do empreendimento, caso se confirme a necessidade de estudos ambientais mais aprofundados, conforme prevê a legislação estadual. A ação pede que o ente insira a variável climática no processo de licenciamento ambiental (seja junto ou não de um EIA/Rima), delineando tecnicamente os termos nos quais esses estudos devem ser desenvolvidos.

De acordo com a ação, os estudos devem garantir que sejam identificados e medidos os impactos causados pela instalação, funcionamento e encerramento das atividades e empreendimentos. Isso inclui tanto a emissão de gases de efeito estufa quanto os efeitos sobre serviços ecossistêmicos locais que ajudam a regular o clima. Também é necessário avaliar outras opções de local e tecnologia, além de adotar medidas para reduzir e compensar os impactos em todas as etapas do projeto.

O MPF também pede que o estado do Rio de Janeiro realize consulta livre, prévia e informada nos moldes da Convenção n.º 169 da OIT. A consulta deve seguir os protocolos definidos por essas comunidades e acontecer antes que o licenciamento ambiental do hotel continue.

A ação pede a condenação do município de Paraty à suspensão imediata de qualquer nova licença relacionada ao empreendimento até a regularização completa do processo, com ampla participação dos conselhos ambientais — do município e da APA — e com inclusão de todos os entes federais com atribuição na área, como o ICMBio e o Iphan. Também é requerido que o município se abstenha de emitir futuras licenças que não estejam precedidas de consulta adequada às comunidades tradicionais.

Em relação à empresa J Filgueiras, responsável pela proposta do hotel de luxo, o MPF requer que se abstenha de dar continuidade à implantação do empreendimento, devendo apresentar novo pedido de licenciamento, desta vez dirigido ao órgão ambiental estadual, caso seja reconhecida a obrigatoriedade de EIA/Rima. O hotel prevê a instalação de 67 unidades (25 cabanas e 42 vilas), com banheiras e piscinas privativas, em uma área de mais de 35 hectares dentro da APA Cairuçu.

Ao Iphan, a ação requer que se abstenha de emitir novas anuências relacionadas ao Hotel Spa Emiliano até que seja apresentado novo processo de licenciamento ambiental, com a participação de todos os órgãos federais e com consulta efetiva às comunidades impactadas.

Também é solicitado que a autarquia reavalie os impactos culturais e arqueológicos do empreendimento sobre bens tombados e sítios protegidos, como as Ruínas de Paraty-Mirim e o Sítio Arqueológico Pitangueiras, adotando medidas efetivas para sua preservação. O órgão deve ainda garantir que qualquer nova autorização observe as diretrizes técnicas de preservação e seja submetida ao crivo dos conselhos patrimoniais competentes.

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