Especialistas, decisores e parlamentares criticam restrições impostas sem debate no Congresso e alertam para efeitos sobre queda no consumo e na taxa de empregos formais
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| Foto: divulgação |
O evento foi dividido em dois painéis. O primeiro se intitulava “O futuro da autonomia do trabalhador e o papel do Legislativo”, enquanto o segundo foi “Saque-aniversário: o efeito dominó da restrição, do consumidor ao comércio e serviços”.
Painel 1 – O futuro da autonomia do trabalhador e o papel do Legislativo
Abrindo o primeiro painel, o economista e ex-secretário de Avaliação de Políticas Públicas do Ministério da Fazenda, Alexandre Manoel, explicou mais sobre mudanças que entraram em vigor no dia 1º de novembro. Ele alertou que as novas restrições à antecipação do benefício (como limites no número de operações, nos valores e nos prazos) reduzem significativamente o acesso dos trabalhadores aos recursos do fundo.
Segundo ele, a medida compromete o papel do saque-aniversário como instrumento de ampliação da liquidez, aumento do bem-estar e redução da informalidade no mercado de trabalho, além de já provocar queda expressiva nas operações de crédito vinculadas à modalidade.
O debate sobre as mudanças no saque-aniversário do FGTS também trouxe destaque para a atuação política em torno do assunto, com críticas à forma e ao mérito das medidas adotadas pelo governo após a rejeição de uma medida provisória pelo Congresso Nacional. Para o senador Efraim Filho, presidente da Frente Parlamentar de Comércio e Serviços no Senado (FCS), as restrições impostas pelo Conselho Curativo do FGTS à modalidade do saque-aniversário afetam diretamente a vida cotidiana dos trabalhadores e representam uma tentativa do Estado de limitar o direito do cidadão de administrar um recurso que lhe pertence por direito.
“Apesar do invólucro técnico e burocrático, esse tema fala da vida real. Fala de comida na mesa, de pagar contas, de quitar dívidas. O saque-aniversário é uma iniciativa que deu certo e que ajuda o trabalhador a lidar com as urgências da sua família”, afirmou.
Ainda segundo o senador, ao restringir o acesso aos recursos do FGTS, o governo adota uma postura paternalista e desconsidera a capacidade do cidadão de tomar decisões sobre o próprio dinheiro. “O Estado tenta dizer ao trabalhador o que é melhor fazer com um recurso que é seu, sem conhecer a sua realidade, suas demandas e suas urgências".
A reação do Congresso Nacional às mudanças no saque-aniversário do FGTS também foi reforçada pelo deputado Júlio Lopes, vice-presidente da FCS na região Sudeste, que defendeu a suspensão das novas regras por meio de um Projeto de Decreto Legislativo (PDL). Durante o debate, o deputado afirmou que a decisão do Conselho Curador do FGTS, transformada em decreto, extrapola as atribuições do Poder Executivo e afeta diretamente os trabalhadores que mais dependem da modalidade para acessar crédito com juros mais baixos.
Ainda segundo Júlio Lopes, a medida penaliza sobretudo os trabalhadores mais vulneráveis, que encontram no saque-aniversário uma das poucas alternativas de acesso a crédito. “75% dos usuários do saque-aniversário estão negativados. São pessoas que não têm outra opção no mercado e que hoje acessam a menor taxa de juros disponível”, endossou.
O parlamentar também contestou o argumento de que a suspensão do saque-aniversário seria necessária para preservar o saldo do FGTS. “Não é verdade que o fundo esteja em risco. No último ano, o FGTS cresceu cerca de 14,5%, muito acima da inflação. Por todas essas razões, estou confiante de que essa medida será revertida e de que o Congresso cumprirá seu papel de proteger o trabalhador”, concluiu. Segundo o deputado, haverá a reversão, seja pelo PDL do legislativo, seja pela ação no STF impetrada pelo também deputado Paulinho da Força.
Os impactos econômicos e a falta de diálogo com os trabalhadores também foram destacados pelo deputado Luís Carlos Gomes, vice-presidente da FCS na Câmara dos Deputados, durante o debate. Ao citar dados do setor bancário, o parlamentar alertou para a dimensão do programa e para os efeitos práticos da restrição ao acesso aos recursos, que, segundo ele, foi implementada sem a devida discussão com a sociedade ou com o Congresso Nacional.
“De acordo com dados da Associação Brasileira de Bancos, 35 milhões de trabalhadores optaram pelo saque-aniversário e 20 milhões já fizeram a antecipação, o que injetou cerca de R$ 84 bilhões na economia nos últimos anos. Não faz sentido tentar regulamentar algo que já está regulamentado, ainda mais sem ouvir o principal interessado, que é o trabalhador”.
Painel 2 – Saque-aniversário: o efeito dominó da restrição, do consumidor ao comércio e serviços
A preocupação com os efeitos das mudanças no saque-aniversário do FGTS sobre o cotidiano dos trabalhadores e sobre a atividade econômica também marcou o segundo painel do debate.
Representando o setor de bares e restaurantes, Paulo Solmucci, presidente-executivo da Abrasel, alertou que as restrições atingem principalmente trabalhadores de baixa renda e pequenos empreendedores, que sentem de forma imediata qualquer redução de liquidez e consumo.
“O nosso setor sente essas mudanças na pele. E o que está acontecendo é uma covardia com o trabalhador menos favorecido, aquele que ganha pouco, que está negativado e que muitas vezes depende desse recurso para resolver uma urgência”, afirmou Solmucci. Para ele, uma das alterações mais graves foi a imposição de novos prazos para acesso aos recursos. “Você não pode nem sequer acessar quando precisa. Tem que esperar 90 dias. Isso ignora completamente a vida real, a necessidade do momento".
Solmucci também criticou a falta de transparência e de debate público sobre as mudanças. “Essa foi uma alteração feita de forma silenciosa. O trabalhador não sabe que isso aconteceu, muitos parlamentares não sabem, e isso prejudica não só o cidadão, mas toda a cadeia de pequenos negócios, do bar ao cabeleireiro. Quem ganha com isso? É uma mudança que atinge milhões de pessoas e foi feita sem diálogo, sem transparência e sem passar pelo Parlamento”.
A perspectiva dos consumidores também esteve presente no segundo painel, com críticas à forma como o governo tem tratado o saque-aniversário do FGTS. O diretor-geral da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), Henrique Lian, defendeu a manutenção do programa e afirmou que eventuais distorções da política poderiam ser corrigidas sem comprometer um mecanismo que, segundo ele, se mostrou eficaz ao ampliar o acesso a crédito e movimentar a economia.
“Desde o início, o Ministério do Trabalho identificou um problema pontual no saque-aniversário, mas adotou uma lógica equivocada: em vez de corrigir a falha, optou por inviabilizar uma política pública exitosa”, afirmou Henrique. Para ele, o argumento de que a modalidade ameaçaria o equilíbrio do FGTS não se sustenta nos dados. “O patrimônio do fundo passou de cerca de R$ 500 bilhões em 2019 para R$ 700 bilhões em 2024, além da distribuição de R$ 13 bilhões em lucros aos trabalhadores, o que mostra que o receio de esvaziamento era infundado".
A produtividade do trabalhador também foi abordada pelo presidente da União Nacional de Entidades do Comércio e Serviços (Unecs) e da Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores (ABAD), Leonardo Miguel Severini. Segundo ele, a modalidade cumpre um papel importante ao permitir que o cidadão substitua dívidas caras por um crédito mais acessível, sem comprometer diretamente o orçamento mensal.
“Vivemos um cenário de endividamento elevado e taxas de juros extremamente abusivas, especialmente no rotativo do cartão e nas financeiras. Ter acesso a um recurso que é do próprio trabalhador, com uma taxa muito mais baixa, permite acertar dívidas em um patamar elevado sem pressionar o orçamento”, disse. Para o presidente da Unecs, além do efeito financeiro, o saque-aniversário gera impactos positivos sobre o bem-estar e a produtividade. “Esse acesso traz um alívio psicológico importante, que se reflete na motivação, na relação de emprego e na produtividade, ajudando a manter a economia girando".
Para finalizar, Alex Sander Gonçalves, diretor da Associação Brasileira de Bancos (ABBC), comentou o impacto direto das novas regras sobre a oferta de crédito e o perfil dos trabalhadores afetados. Segundo ele, as medidas em vigor desde novembro provocaram uma retração imediata e expressiva na antecipação do saque-aniversário, atingindo principalmente a população de baixa renda.
“As mudanças aprovadas em outubro e implementadas em novembro resultaram em uma queda superior a 80% no volume de crédito concedido. Em média, os bancos emprestavam cerca de R$ 3 bilhões por mês na antecipação do saque-aniversário; já no primeiro mês após as alterações, esse volume caiu para menos de R$ 600 milhões”, afirmou.
Para ele, o principal fator da retração não foi o teto por parcela, mas o piso mínimo imposto. “O que mais afetou as concessões foi o piso de R$ 100, porque estamos falando de um público de baixa renda, com saldos menores no FGTS. Esse é justamente o trabalhador que mais utilizava a antecipação".
“Pesquisa que contratamos mostra que o principal destino do recurso é o pagamento de contas atrasadas e despesas do dia a dia, como saúde e pequenos reparos domésticos. 74% desse público está negativado, ou seja, não tem outra opção de crédito”, explicou.
O debate teve o patrocínio das entidades ABAD, Abrasel, Afrac, CACB, CNDL, euroconsumeres Brasil e GS1 Brasil. Também contou com o apoio institucional da FCS, a divulgação do grupo O Globo e realização da Editora Globo.



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