Estudo realizado em animais mostra que um medicamento para tratar obesidade genética também melhora a respiração durante o sono; descoberta abre caminho para alternativas ao CPAP no futuro
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Pesquisa pode encontrar possível tratamento para apneia e hipoventilação em obesos — rawpixel.com / Freepik |
As duas condições respiratórias estão associadas à baixa qualidade de vida, sonolência diurna, maior risco de doenças cardiovasculares, metabólicas e aumento da mortalidade. Atualmente, a principal opção terapêutica é o CPAP, um equipamento que mantém as vias respiratórias abertas durante o sono por meio de pressão positiva. No entanto, cerca de 50% dos pacientes abandonam o uso devido ao desconforto.
Na busca por alternativas, o grupo liderado pelo professor Mateus Ramos Amorim, do Departamento de Fisiologia da FMRP, e o dr. Vsevolod Y. Polotsky, da The George Washington University, avaliou os efeitos da setmelanotida, um agonista do receptor MC4R (gene envolvido na regulação do apetite e gasto energético) aprovado pela agência norte-americana FDA para tratar obesidade monogênica (forma rara de obesidade). Além de contribuir para a regulação do peso corporal, a droga também promoveu melhora significativa da ventilação durante o sono nos camundongos obesos.
Ação no cérebro
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Mateus Ramos Amorim — Foto: Arquivo pessoal |
Nos testes, a ativação dos neurônios MC4R+ (que expressam o gene MC4R) aumentou a ventilação, reduziu episódios de apneia e melhorou a oxigenação dos animais — efeitos observados mesmo sem perda de peso. “Isso sugere que a droga tem um efeito direto sobre os circuitos cerebrais que controlam a respiração e não somente sobre o metabolismo ou emagrecimento”, comenta Amorim, destacando que animais submetidos apenas à restrição alimentar perderam peso, mas não apresentaram os mesmos benefícios respiratórios.
Esses resultados ampliam o potencial de uso da setmelanotida para além da obesidade. Segundo o pesquisador, o grupo já conduz estudos para investigar seus efeitos em outras condições clínicas que afetam o controle respiratório, como a depressão respiratória induzida por opioides e síndromes genéticas de hipoventilação. Atualmente, o professor Amorim está recrutando estudantes de graduação e pós-graduação interessados em dar continuidade a essas linhas de pesquisa.
Diferença entre machos e fêmeas
A equipe também observou respostas distintas entre machos e fêmeas obesos. Nos machos, a droga aumentou a sensibilidade à hipercapnia (excesso de CO2 no sangue) e reduziu as apneias. Já nas fêmeas, embora tenha havido aumento da ventilação, esse efeito esteve mais relacionado ao aumento do metabolismo do que à resposta ao CO₂.
“Fêmeas obesas tendem a manter uma função respiratória mais preservada, o que pode indicar um efeito teto e explicar a ausência de melhora adicional com o uso da setmelanotida”, explica Amorim. Essa diferença reforça a necessidade de considerar o sexo biológico como variável relevante no desenvolvimento de tratamentos personalizados.
O que falta para chegar às pessoas?
Apesar dos resultados promissores, o estudo foi realizado exclusivamente em modelos animais. Ainda são necessários novos estudos para confirmar a eficácia e a segurança da setmelanotida em humanos com distúrbios respiratórios do sono.
Entre os próximos passos estão: aprofundar a caracterização dos mecanismos de ação da droga em outros circuitos neuronais, testar sua eficácia em modelos animais de longo prazo e iniciar ensaios clínicos em humanos. Segundo os pesquisadores, esses testes serão fundamentais para definir a dosagem ideal, os efeitos colaterais e os benefícios respiratórios esperados.
“Melhorar a respiração em pessoas com distúrbios respiratórios do sono pode ter um impacto significativo na saúde pública, aumentando a expectativa e a qualidade de vida, além de reduzir custos com hospitalizações e complicações associadas”, conclui o pesquisador.
Por Jornal USP
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