Nos primeiros 11 meses de 2023, a Vara Especializada em Crimes contra Crianças e Adolescentes (Veca) atingiu a média mensal de 255 processos recebidos. Em 2024, a média alcançou 333 processos e, neste ano, até novembro, foram recebidos, em média, 432 processos por mês.
Em relação ao acervo geral, até novembro de 2025, a Veca somava 5.150 processos. O resultado representou um crescimento de 34% comparado ao período de janeiro a novembro de 2024, quando totalizava 3.824 processos. Já em relação ao total de ações com sentenças proferidas, o resultado apresentou um crescimento de 50%, comparado com 2024. Até novembro deste ano, foram proferidas 2.722 sentenças, e, no mesmo período de 2024, foram 1.822 sentenças proferidas.
Tendência de crescimento
A juíza titular da Veca Gisele Guida não se surpreende com os resultados e acredita na manutenção de tendência de crescimento nos números da vara especializada. Para a magistrada, à medida que a população foi tomando conhecimento da Veca, criada em junho de 2022, o interesse no ajuizamento das ações aumentou significativamente.
“A sociedade já começou a conhecer a existência da Veca e que o Judiciário passou a oferecer um novo serviço especializado para a defesa de crianças e adolescentes vítimas de crime. Com isso, a procura aumentou de forma bastante exponencial. Quando completamos um ano à frente da Veca, tínhamos uma procura de 300 processos mensais. Em outubro deste ano, já chegamos a 550 distribuições. Com pouco mais de três anos de funcionamento, a Veca já ultrapassou o patamar dos 5 mil processos”, destacou a juíza.
Maior percepção da realidade
A criação da Veca, na avaliação da magistrada, possibilitou ao Judiciário ter uma maior percepção sobre a realidade dos crimes contra crianças e adolescentes. A juíza Gisele Guida explicou que, antes da criação da Veca, os crimes contra a criança e adolescente eram distribuídos em todas as varas criminais do município e, também, nos juizados de violência doméstica, quando as vítimas eram adolescentes, e os agressores, adultos.
“No momento em que tudo foi unificado na Veca, passou-se a ter uma melhor percepção sobre o volume de crimes contra criança e adolescente ocorridos no município do Rio. Essa unificação nos possibilitou ter um conhecimento real da estrutura que o Estado oferece para a defesa dessas vítimas.”
Para a juíza, a criação da Veca ampliou o poder de combate à violência contra as crianças e adolescentes. “A Lei Henry Borel trouxe a possibilidade de rompimento do ciclo de violência intrafamiliar em que a criança ou o adolescente está inserido, mediante a aplicação de medidas protetivas de urgência de forma similar à que ocorre em relação à mulher vítima de violência doméstica. Desta forma, é possível proteger a vítima infantojuvenil, afastando-a do suposto agressor, enquanto os fatos são devidamente investigados pela polícia civil.”
A Lei da Escuta Protegida também foi destacada pela magistrada. “Outro aspecto importante, na seara protetiva, é a oitiva judicial antecipada da criança e do adolescente, vítima de crime. A Lei da Escuta Protegida prevê tal instrumento a fim de que a vítima possa ser ouvida em juízo logo após os fatos e não seja obrigada a se submeter a dois depoimentos, um na delegacia e outro em juízo. Assim, por meio de um processo cautelar de antecipação de oitiva, a criança vítima é ouvida em juízo, com todas as garantias do contraditório e ampla defesa para o suposto agressor e, após, a mídia desse depoimento especial é enviada para a delegacia onde foi instaurado o inquérito policial para apuração do caso e também para o Ministério Público atuante nessa investigação, que avaliará se é caso de oferecimento de denúncia ou arquivamento.”
Ações mais recorrentes
A juíza auxiliar da Veca, Marcia Capanema, ressaltou que o estupro de vulnerável é a violência com mais ocorrências registradas na serventia. “Infelizmente, o estupro de vulnerável lidera o número de ocorrências que chegam aqui na Veca. São crimes que ocorrem dentro do ambiente familiar e que, geralmente, são cometidos pelos padrastos, pais, avós”, contou.
A magistrada explicou que a criança que sofre a violência, na maioria das vezes, só se dá conta do abuso anos depois. “A criança, em muitos casos, demora três, quatro anos para contar que está sofrendo o abuso, porque, às vezes, ela não tem noção do que ela está sofrendo. E ela acha que pode ser uma brincadeira no início. Se a criança começa a sofrer a violência sexual muito nova, ela demora um bom tempo para perceber que aquilo não é carinho normal. Normalmente, ela percebe por volta dos sete, oito anos, normalmente conversando com coleguinhas. Porque o ambiente escolar contribui muito para essa percepção. Às vezes, depois de uma palestra sobre violência sexual na escola.”
A juíza Márcia Capanema citou outros casos de processos ajuizados na Veca, como pedofilia. Para a magistrada, o acesso à internet contribui para o crescimento das ocorrências. “A internet tem proporcionado o aumento do número de ocorrências envolvendo a pedofilia. E só não é maior porque a maioria desses crimes tem competência da justiça federal. A competência estadual só ocorre quando a pedofilia é transmitida em rede fechada, por exemplo, em redes P2P ou grupos de Whatsapp, em que as pessoas trocam as mensagens e imagens de pornografia infantojuvenil”, explicou a magistrada, que também citou outras ocorrências de ações que chegam à Veca, como casos de tortura e abandono da criança pelos pais e familiares.
Atendimento especializado
No entanto, apesar do aumento da procura pelo atendimento na Veca, a juíza Gisele Guida avalia que ainda há muito caminho a ser percorrido para que a população conheça mais o trabalho desenvolvido pela vara especializada. A magistrada conta que muitas famílias de crianças vítimas de violência ainda não têm conhecimento da existência dessa vara especializada, em que o foco se direciona a um atendimento mais humanizado para as crianças e adolescentes vítimas de violência.
“Trabalhamos com uma matéria muito sensível, por isso, nossa busca pelo aperfeiçoamento da prestação jurisdicional é constante. Nossa equipe multidisciplinar é muito capacitada para o atendimento do nosso público, sejam as crianças e adolescente vítimas, sejam as famílias que as acompanham, pois todos apresentam um quadro de intenso sofrimento. Muitos familiares evitam trazer as pequenas vítimas com receio de uma possível revitimização pelo simples contato com o sistema de justiça criminal. Nesses casos, eles são convidados a conhecer as salas de depoimento especial, é explicada a participação da criança no procedimento e o cuidado e acolhimento com que são tratadas. Até hoje, todos se tranquilizam e voltam com as crianças vitimadas”, explicou a juíza Gisele Guida.



0 Comentários