O aumento das tarifas de importação anunciado pelo México reacendeu o debate sobre competitividade e política comercial nas Américas. A medida, que eleva impostos de 20% a 50% para países sem acordo de livre-comércio, atinge em cheio o Brasil e lança dúvidas sobre o futuro do comércio bilateral entre as duas maiores economias latino-americanas.
A justificativa oficial do governo mexicano é proteger a indústria doméstica da concorrência de produtos mais baratos, especialmente os asiáticos. Mas, para analistas, há um componente geopolítico evidente: a aproximação com os Estados Unidos em meio à disputa por controle das cadeias produtivas da América do Norte. “O México está calibrando sua política comercial para se manter alinhado ao USMCA e preservar seu papel estratégico junto aos EUA”, avalia André Charone, professor universitário e mestre em negócios internacionais.
Indústria brasileira sob pressão
As novas tarifas atingem setores que sustentam parte importante das exportações industriais brasileiras ao México: automóveis, autopeças, máquinas, equipamentos e produtos químicos. Somados, esses segmentos representam bilhões de dólares em vendas anuais.
“É um impacto direto sobre a indústria brasileira, especialmente nos bens de maior valor agregado. O produto brasileiro chega mais caro e perde competitividade num mercado altamente disputado”, afirma Charone. Segundo ele, além de pressionar margens e reduzir a atratividade do mercado mexicano, as tarifas podem provocar redirecionamento de rotas comerciais.
O efeito cascata nas cadeias produtivas
O movimento mexicano pega o Brasil em um momento em que diversas empresas vinham utilizando o país como plataforma de integração produtiva. O México, com sua proximidade dos EUA, funciona como um dos principais hubs industriais do continente. Agora, esse arranjo pode se tornar mais caro e menos previsível.
Para Charone, a mudança tende a desencadear revisões de contratos e até de investimentos. “Algumas companhias brasileiras que usavam o México como porta de entrada para o mercado norte-americano terão de recalcular custos. Em certos casos, pode se tornar inviável continuar exportando sem repensar o modelo de operação”, explica.
O calcanhar de Aquiles do Brasil
O episódio expõe um ponto sensível da política comercial brasileira: a baixa integração em acordos internacionais. Enquanto o México é um dos países mais ativos do mundo em tratados de livre-comércio, o Brasil mantém uma presença limitada, dependente das negociações do Mercosul.
“Quando você não tem acordos preferenciais, fica vulnerável a movimentos unilaterais como esse. A tarifa vira, na prática, um custo adicional de isolamento”, diz Charone. Para ele, o caso mexicano deve servir como alerta estratégico: “O mundo está se reorganizando em blocos e cadeias regionais. Estar fora desses arranjos significa perder competitividade”.
O que pode ser feito agora
No curto prazo, o governo brasileiro pode buscar flexibilizações junto ao México para setores específicos. Consultas técnicas, apresentação de dados de impacto e pedidos de tratamento diferenciado são caminhos possíveis. Mas a solução estrutural vai além.
Segundo Charone, “o Brasil precisa acelerar sua agenda de integração comercial. Esse episódio mostra que, sem acordos, a indústria brasileira corre o risco de competir em desvantagem sistemática”.
Um ponto de inflexão para o comércio nas Américas
O aumento tarifário mexicano não é um gesto isolado. Ele reflete tensões maiores, da reorganização da indústria norte-americana às disputas comerciais com a Ásia. Para o Brasil, é um teste de agilidade e de visão estratégica.
“O recado é claro: ou o Brasil participa ativamente da reconfiguração do comércio global, ou será empurrado para uma posição periférica”, conclui André Charone.


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