Enquanto isso, o Fórum Econômico Mundial em Davos continua atraindo atenções, com destaque para a participação de Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu (BCE). Ontem, declarações de membros do BCE indicando possíveis novos cortes de juros animaram os mercados europeus, movimento que está se repetindo na manhã de hoje. A União Europeia também estuda implementar incentivos de compra de veículos elétricos em todo o bloco, uma tentativa de apoiar a combalida indústria automotiva da região, o que reforça o otimismo nos mercados locais.
Nos Estados Unidos, os futuros das bolsas registram alta, impulsionados pelos resultados positivos da Netflix e pelo anúncio de incentivos à indústria tecnológica americana com foco em inteligência artificial. Entre as commodities, o petróleo volta a apresentar alta, embora permaneça abaixo de US$ 80 por barril – o recuo recente ocorre em meio à continuidade do cessar-fogo em Gaza e negociações em andamento para um possível acordo entre Rússia e Ucrânia, reduzindo incertezas geopolíticas.
00:57 — Nada de novo por aqui
No cenário doméstico, seguimos sem grandes novidades na agenda local, mantendo o foco na repercussão do bom humor internacional, como observado entre segunda e terça-feira. As atenções continuam voltadas para Brasília, especialmente em relação a avanços no campo fiscal. As últimas notícias vindas do Tesouro Nacional foram pouco animadoras: as estimativas mais recentes indicam que o impacto para a União do projeto de renegociação da dívida dos estados pode chegar a impressionantes R$ 106 bilhões no período de 2025 a 2029 — um sinal extremamente negativo.
Enquanto isso, o maior esforço de contenção do crescimento dos gastos públicos, anunciado no final do ano passado, promete uma economia muito aquém do necessário: apenas R$ 29,4 bilhões no orçamento deste ano e R$ 69,8 bilhões em 2025. Números medíocres. É evidente que medidas mais robustas serão indispensáveis, mas elas parecem depender da aguardada Reforma Ministerial, cujo desfecho ainda é incerto. Entre os ministros cotados para mudança de pasta está Alexandre Silveira, atualmente à frente do Ministério de Minas e Energia, que representa o Brasil em Davos com o objetivo de promover a matriz energética nacional.
Aliás, a declaração de Silveira de que a Petrobras mantém autonomia para decidir sobre os preços de combustíveis dissiparam parte do receio de uma possível interferência governamental para evitar reajustes. Ainda assim, o temor de Lula com o impacto político de aumentos no preço dos combustíveis e nos alimentos é palpável, dado o efeito devastador que esses fatores podem ter em sua já combalida popularidade. Pelo menos, ao que tudo indica, a manutenção da bandeira verde ao longo de 2025, caso o cenário de chuvas continue favorável, pode aliviar as pressões inflacionárias — ainda que isso, por si só, esteja longe de resgatar o governo.
Nos bastidores, cresce a especulação de que o próprio Lula estaria considerando não se candidatar à reeleição em 2026, reforçando o que já mencionei anteriormente sobre o chamado "Efeito Biden". Esse contexto fortalece a tese de que o pêndulo político pode oscilar em direção a uma agenda mais fiscalista e pró-mercado. Afinal, Lula é o único nome com força suficiente para liderar a esquerda, e sua fragilidade crescente deixa o campo aberto para uma guinada à direita. Contudo, para que isso se concretize, a oposição precisa evitar fragmentações e consolidar um único candidato forte. Reitero minha avaliação de que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, desponta como a figura mais competitiva nesse cenário. Se esse alinhamento político se confirmar, os ativos de risco brasileiros terão muito a ganhar.
01:42 — Como responder?
O principal temor do mercado em relação ao governo Trump é a possibilidade de uma linha tarifária universal, algo que, por ora, parece distante. Mesmo as tarifas de 25% mencionadas para México e Canadá ainda não podem ser consideradas como certas. No entanto, se medidas tarifárias similares fossem aplicadas ao Brasil, o impacto seria substancial. Projeções indicam que uma tarifa de 10% sobre todos os produtos exportados pelo Brasil para os EUA resultaria em um prejuízo estimado de US$ 2 bilhões na balança comercial, o que poderia gerar uma depreciação cambial de aproximadamente 4%. No caso de tarifas mais elevadas, como 25%, o efeito negativo sobre as exportações brasileiras poderia atingir US$ 5,5 bilhões.
Vale lembrar que, atualmente, a maioria dos produtos exportados pelo Brasil para os EUA não enfrenta taxação. A exceção é o petróleo, que possui tarifas entre 5% e 6%, significativamente inferiores ao que se discute agora. Nesse contexto, é positivo que o Brasil não esteja, ao menos por enquanto, na lista de prioridades do governo americano. Essa "neutralidade" relativa nos permite observar o desenrolar do novo mandato com cautela e buscar formas de mitigar riscos futuros.
Durante o primeiro mandato de Trump, a guerra comercial entre EUA e China acabou favorecendo o Brasil, que viu a China ampliar suas compras de commodities brasileiras, como soja e carnes. No entanto, caso um novo confronto entre os dois gigantes resulte em um acordo comercial mais favorável aos EUA, o Brasil poderia ser prejudicado. Estima-se que tal mudança poderia levar a uma redução de US$ 3,5 bilhões nas exportações brasileiras de soja, por exemplo, uma perda significativa para nossa balança comercial. A resposta do Brasil a um cenário desse tipo não é simples.
Além disso, o Brasil enfrenta desafios adicionais este ano, como a realização da Cúpula dos BRICS e da COP30, eventos que não têm grande simpatia por parte da nova administração americana. O risco de atrair atenção indesejada de Trump e sua equipe durante esses eventos deve ser levado em conta, o que reforça a necessidade de uma política externa cuidadosa e pragmática. No atual cenário, o Brasil deve monitorar atentamente os movimentos de Trump no comércio global, buscando oportunidades em meio às adversidades e construindo estratégias para proteger seus interesses em um ambiente de crescente incerteza econômica e geopolítica.
02:33 — Voltou com tudo
Nos Estados Unidos, o mercado retornou do feriado de segunda-feira com ganhos expressivos, refletindo um sentimento de alívio entre os investidores. A razão principal foi o tom mais moderado do novo presidente americano em relação à sua aguardada agenda tarifária. Contrariando expectativas de ações imediatas e amplas sobre importações de diversos países, as ordens executivas iniciais de Donald Trump limitaram-se a abrir espaço para futuras decisões de política comercial, sinalizando uma abordagem mais cautelosa. Excelente sinal que reduz a incerteza no curto prazo.
Paralelamente, a temporada de resultados corporativos começou com força, trazendo boas notícias, especialmente do setor de tecnologia. O destaque da noite anterior ficou por conta da Netflix, que apresentou números impressionantes. A gigante do streaming registrou um lucro líquido de US$ 1,86 bilhão no quarto trimestre de 2024, dobrando os US$ 938 milhões alcançados no mesmo período do ano anterior. Além disso, a empresa adicionou 18,9 milhões de novos assinantes, encerrando o ano com um total de 301,6 milhões de usuários em todo o mundo. Esses resultados robustos reforçam a tese de que as grandes empresas de tecnologia devem continuar desempenhando um papel crucial na sustentação dos mercados. Com um início promissor para a temporada de balanços, mantenho a perspectiva de que os resultados das empresas ao longo deste trimestre serão positivos. Assim, a combinação de uma postura mais ponderada do governo americano e o sólido desempenho das principais companhias cria um ambiente favorável para os ativos de risco, pelo menos no curto prazo.
03:28 — Um belo incentivo
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, revelou um ambicioso plano de investimento bilionário liderado pelo setor privado para consolidar a liderança americana em infraestrutura de inteligência artificial (IA). Em uma parceria sem precedentes, a OpenAI, a SoftBank e a Oracle anunciaram a criação de uma joint venture batizada de Stargate. A iniciativa, que une os visionários Masayoshi Son, Sam Altman e Larry Ellison — respectivos CEOs das três gigantes —, promete injetar até US$ 500 bilhões no desenvolvimento da infraestrutura tecnológica do país ao longo dos próximos quatro anos. O projeto Stargate será lançado com a construção de um centro de dados de última geração no Texas, com planos de expansão para outros estados.
Além dos nomes já confirmados, outros investidores estão previstos para aderir à iniciativa, embora os detalhes sobre suas identidades ainda não tenham sido divulgados. A expectativa é que essa colaboração atraia tanto capital adicional quanto expertise tecnológica, consolidando ainda mais a posição dos EUA como epicentro da inovação global. Esse movimento não apenas reforça o excepcionalismo americano no campo da tecnologia, mas também envia uma mensagem clara ao mundo: os Estados Unidos estão comprometidos em liderar a próxima revolução tecnológica.
04:11 — Ainda precisamos resolver o endividamento
A economia global tem demonstrado uma resiliência notável diante dos choques recentes, mas o ritmo de crescimento mundial continua aquém do ideal, prejudicado por níveis historicamente baixos de investimento, avanço tímido na produtividade e uma crescente carga de endividamento. De acordo com o relatório Situação e Prospectos da Economia Mundial 2025, divulgado pela ONU, a previsão é de que o crescimento global permaneça em 2,8% em 2025, repetindo o desempenho projetado para 2024. Caso confirmado, esse crescimento ainda estará abaixo da média pré-pandemia, registrada entre 2010 e 2019, que foi de 3,2% ao ano.
Ainda mais alarmante, porém, é o relatório do Instituto de Finanças Internacionais (IIF), que projeta um aumento de 35% na dívida pública global entre 2024 e 2028, elevando o montante total para impressionantes US$ 130 trilhões. Os Estados Unidos terão uma parcela significativa dessa expansão. Apesar das promessas do presidente Donald Trump, incluindo a criação do Departamento de Eficiência, liderado por Elon Musk, e os esforços de Scott Bessent, secretário do Tesouro, para implementar uma política fiscal mais sustentável, os desafios são formidáveis. Afinal, as despesas obrigatórias e o crescente custo dos juros sobre a dívida tornam difícil a redução do atual déficit público de 6% do PIB para a meta ambiciosa de 3% nos próximos anos. A situação fiscal americana será um ponto de pressão não apenas para o país, mas também para o equilíbrio das finanças globais, em um cenário já marcado por incertezas econômicas.
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