Rádio Acesa FM VR

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Cidadão istigado adverte: os urubus só pensam em te comer.

Uma denúncia chamou a atenção na sessão plenária desta última semana no Senado Federal. Discursando na tribuna, o senador Jorge Viana (PT/AC), denunciou o oportunismo das empresas aéreas que elevaram os preços das passagens, diante da situação de calamidade pública que vive o Acre, ensejada pela cheia histórica do Rio Madeira, que alagou a BR 364 (foto), principal ligação rodoviária do Acre com o resto do país.

A situação de oportunismo imediatamente me remeteu a crítica de Michael Sandel, na obra "Justiça: O que é fazer a coisa certa", particularmente no capítulo acerca da ganância dos empresários americanos, ao tirar proveito da passagem de um furacão no verão de 2004 (o furacão Charley).
O filósofo de Harvard, problematizando o embate entre a moral e a lei, lembrou que, além de vitimar 22 pessoas e causar prejuízos superiores a 11 bilhões de dólares, o furacão gerou acirrados debates sobre os preços extorsivos, que foram subitamente elevados pelos comerciantes da região.
Lançando mão de inúmeros exemplos da “capitalização à custa da miséria”, Sandel relatou casos como: (a) dos postos de gasolina de Orlando, onde sacos de gelo, que não chegavam a dois dólares, passaram a ser vendidos por dez dólares, diante da ausência de energia para refrigeradores e ar condicionado, e do verão no hemisfério norte, que não permitiam outra solução para as pessoas senão pagar mais pelo gelo; (b) dos prestadores de serviços que chegaram a cobrar 23 mil dólares para tirar duas árvores de um telhado; (c) dos geradores domésticos que custavam 250 dólares e passaram a custar 2 mil dólares; (d) dos preços dos hotéis que dispararam, entre vários outros exemplos listados...
O ocorrido revoltou os habitantes da Flórida, o USA Today estampou em sua capa “Depois da tempestade vêm os abutres”. Ao discutir em sua obra virtudes, valores morais e a justiça, sem dúvida a desunião, evidenciada naquelas situações, chamou a atenção de Sandel, assim como chocou moradores e a grande mídia. Ante o exposto, me pergunto: "Qual o nível de união presente hoje na sociedade civil brasileira e, diante do caso do Acre, quem nos protegerá de nossos urubus?"

Neste ponto, devemos lembrar que o Direito Privado, antes ligado ao individualismo exacerbado, passa por um processo, ainda em desenvolvimento, de repersonalização. Na medida em que isso ocorre, perde seu caráter eminentemente patrimonialista e liberal e prioriza valores consagrados pelo Ordenamento Jurídico, como a Função Social do Contrato.
Neste sentido, nossa ordem constitucional inaugurada em 1988, nos incisos XXII e XXIII do Art. 5º, salvaguarda o direito de propriedade que “atenderá à sua função social”. A realização da Função Social da Propriedade, conforme adverte o professor Miguel Reale, “somente se dará se igual princípio for estendido aos contratos, cuja conclusão e exercício não interessa somente às partes contratantes, mas a toda a coletividade.”
O § 4º do Art. 173 da Constituição é mais um dispositivo que impõe à lei o dever de reprimir o abuso de poder, ao não admitir negócio jurídico que implique abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
Informado pela axiologia constitucional, o Código Civil, em seu Art. 421, adverte que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato” e que “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé (Art. 422). Neste sentido adverte Miguel Reale:
“O que o imperativo da “função social do contrato” estatui é que este não pode ser transformado em um instrumento para atividades abusivas, causando dano à parte contrária ou a terceiros, uma vez que, nos termos do Art. 187, “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Dessa forma, resta evidenciado que, no plano do dever ser, os interesses dos aproveitadores de plantão não devem prevalecer, mas, se até o senador está chateado por ter que pagar mais caro suas passagens do Acre para Brasília, o “cidadão comum” (contradição republicana) questiona-se: "Se está ruim até pra você, Senador, que se queixa por gastar demais com suas idas e vindas de Brasília, indaga-se: quem poderá nos defender?" Afinal o Chaves morreu, o galo cansou de cantar e os urubus só pensam em te comer…

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