Em face do princípio da dignidade da pessoa humana (
CRFB, III, art.
1º) vem se tornando relevante a investigação da responsabilização dos pais perante o abandono afetivo dos filhos.
Com a propositura do
Projeto de Lei do Senado nº 700/07
tipificando como crime o abandono afetivo e estabelecendo sanções na
área cível, a sociedade e o mundo jurídico se abrem ao estudo deste novo
instituto.
Certo é que há muita discordância doutrinária quando
da definição de se há ou não um valor jurídico para o afeto, e
consequentemente o seu abandono. É o caso de
Cristiano Chaves Farias e Nelson Rosenvald,
(2011, p.34) que coadunam que apesar de ter realmente ganhado status de
proteção constitucional, não é possível dizer que a afetividade pode
ser exigida, pois é fruto da espontaneidade e da autonomia privada das
famílias.
Mas, para
Maria Berenice Dias (2012, p.69), precursora do estudo do tema, o afeto é um verdadeiro direito fundamental - esculpido na
constituição
em leitura sistemática, que permite que haja uma equiparação entre a
filiação biológica e socioafetiva, afirmando que o direito de família
abarca uma nova ordem jurídica, que é a de atribuir valor jurídico ao
afeto.
Neste sentido, diversas teses sociais e psicológicas
corroboram para a afirmação de que o afeto é elemento primordial à
formação da personalidade e caráter, acarretando irradiações em todas as
áreas da vida.
Um instrumento legislativo que visa a coação desses “atos” de negligências é o Projeto de Lei 700 apresentado no
Senado Federal em 2007,
que se encontra em tramitação na augusta casa desde então, sendo que
estabelece medidas no âmbito civil e penal – sendo que este último é o
tema central desta pesquisa.
O PLS 700/07 encontra desde o início
de sua jornada no processo legislativo ferrenhas oposições quanto aos
seus termos, prova disso são as várias propostas de modificação no
projeto, várias já concretizadas, ou seja acolhidas junto ao texto
original.
Em suma, as alterações promovidas pelo Projeto de Lei são no âmbito do
ECA (Lei nº
8.069/90,
Estatuto da Criança e Adolescente) conceituando o que seria o abandono
moral (novas emendas mudaram a nomenclatura para abandono afetivo) e
ainda estabelecendo a tipificação penal do abandono (
pena de
detenção, de um a seis meses para quem deixar, sem justa causa, de
prestar assistência moral ao filho menor de 18 anos, quando lhe cause
prejuízos de ordem psicológica e social).
É evidente a
necessidade de atenção que deve-se com o tema ora abordado, pois
inúmeros são os casos de completo descaso por parte dos pais perante
seus filhos, que segundo os estudos, ocasionam consequências diversas na
formação do indivíduo.
Por meio do artigo
227 da
CF - ao ser efetivado uma leitura sistêmica, constata-se que o constituinte
adotou implicitamente o cuidado (abrangendo dentre outros à educação, respeito sustento e guarda) como dever jurídico objetivo.
Da
mesma monta várias leis ordinárias específicas também fundamentam e
justificam a adoção da proteção ao aspecto afetivo dos filhos, temos
exemplo do
Código Civil (Arts.:
1.579;
1.632;
1634, da Lei 10.406/02), e o próprio
ECA (Lei
8.069).
Caso
considere-se presente essa natureza já positivada, as omissões afetivas
deverão ser consideradas como desrespeitosas aos mandamentos legais, ou
seja, consideradas como ilícitas, ensejando a reparação do dano
psicológico causado (âmbito civil). E como para ocorrer a
responsabilização no âmbito penal é extremamente necessário a produção
legislativa, em consonância ao Princípio da Legalidade e da Reserva
Legal, esculpidos no art.
5ºXXXIX da
CF e no art.
1º do
Código Penal (Decreto-Lei nº
2.848/40) deve existir lei anterior definindo o crime e a pena cominada;
necessitando assim de lei em sentido formal, que trate da matéria.
A
jurisprudência pátria há certo tempo vem se deparando com ações desta
monta, sendo que decorrente do Princípio da Inafastabilidade da
Jurisdição, o Poder Judiciário deve dar uma resposta aos conflitos
apresentados.
Certo é que há ainda muita divergência, sendo que o próprio
STJ
encontra em seu bojo, decisões favoráveis e desfavoráveis relacionadas
ao abandono afetivo. Recentemente em 2012 foi concedida indenização de
R$200.000,00 à filha, que conforme restou comprovado foi vítima do
abandono afetivo do pai, decisão esta que marcou a célebre frase da
Ministra do Egrégio Tribunal Nancy Andrighi em que diz que “amar é
faculdade, cuidar é dever” (REsp 1.159.249).
Pelas informações
apresentadas infere-se elevada insegurança jurídica sendo que se
considera necessária a produção legislativa para dirimir as dúvidas
atinentes a área. Observa-se pelos argumentos asseverados em doutrina e
no próprio seio social, assim como na própria Justificativa do PLS
700/07, a aplicação de sanção penal
não deve ser entendida como meio
de obrigar que os pais tenham amor para com seus filhos, e sim como meio
preventivo e sancionatório de condutas que provocam irreparáveis danos
aos filhos.