"Memórias póstumas de Brás Cubas", de Machado de Assis, é citado duas
vezes. Campos de Carvalho, Stanislaw Ponte Preta e Jaguar, idem. Mas o
destaque é Millôr Fernandes: são quatro menções ao homenageado da 12ª
Festava Literária Internacional de Paraty (Flip), que começa nesta
quarta-feira (30).
A pedido do
G1, cinco dos principais humoristas que
vão participar do evento apontaram os livros mais engraçados que já
leram. Foram consultados o cronista Antonio Prata, o desenhista e
caricaturista Claudius, o poeta, ator e integrante do canal Porta dos
Fundos Gregorio Duvivier e Hubert e Reinaldo, do “Casseta &
Planeta”.
Numa edição da Flip na qual o próprio curador aponta que a comédia deve
dar o tom, veja abaixo quais são as referências dos convidados.
Antonio Prata (Foto: Renato Parada/Divulgação)
Antonio Prata, autor de ‘Nu, de botas’
"Que pergunta difícil, deixa eu pensar um pouquinho. Acho que dois
livros do Campos de Carvalho: 'O púcaro búlgaro' e 'A lua vem da Ásia'.
São livros tristes mais muito, muito engraçados. Porque, quando você
fala em humor, as pessoas acham são temas leves, temas humorísticos.
Mas, no seu ‘Decálogo do verdadeiro humorista’, o Millôr fala que o
humorista tem de pegar o assunto mais sério. E acho que o humor, quanto
mais mete o dedo na ferida, mais engraçado é o humor. O Campos de
Carvalho é triste, os livros são até depressivos – mas são hilariamente
depressivos. Li na adolescência e releio sempre.
Outro livro está entre os mais engraçados é 'Memórias póstumas de Brás
Cubas'. Também sempre releio, é a fina flor do humor nacional. Na
escola, eu devo ter lido, mas não lembro de ter sido impactado, não.
Acho que isso aconteceu mais tarde. Na adolescência, também li uma
coletânea do Millôr, '30 anos de mim mesmo', e um do Verissimo, 'O
analista de Bagé'. Esses aí me representam."
Trecho de 'Memórias póstumas de Brás Cubas'
"...Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada
menos. Meu pais, logo que teve aragem dos onze contos, sobressaltou-se
deveras; achou que o caso excedia as raias de um capricho juvenil.
– Desta vez, disse ele, vais para a Europa; vais cursar uma
Universidade, provavelmente Coimbra; quero-te para homem sério e não
para arruador e gatuno. E como eu fizesse um gesto de espanto: – Gatuno,
sim senhor, não é coisa um filho que faz isto..."
Claudius, desenhista e caricaturista
"Eu posso citar filmes: 'Quanto mais quente melhor', 'Quinteto da
morte', 'Dr. Estranho', 'Um peixe chamado Wanda' e naturalmente tudo do
Chaplin. De livros, acho engraçadíssimos os do Campos de Carvalho. Acaba
de sair um livro com cem contos do Campos de Carvalho, e eu ilustrei. É
um livro feito por uma sociedade de bibliófilos de Brasília. Você pode
abrir o livro em qualquer lugar e ler qualquer conto – é engraçadíssimo.
Outra coisa que eu citaria é 'Millôr definitivo – A bíblia do caos',
que é absolutamente genial.
Outro cara engraçadíssimo é o Stanislaw Ponte Preta. E, antes dele,
absolutamente genial, tem o Barão de Itararé, que deixou pouca coisa
escrita. Mas tenho um almanaque dele que é hilário, muito engraçado. O
Barão de Itararé foi o máximo na época dele. Tem uma história famosa
dele, de quando ele fazia o jornal 'A Manha', uma paródia do jornal 'A
Manhã'. Um dia, a polícia do Getúlio Vargas entrou lá na sede do 'A
Manha' e bateu no Barão de Itararé. No dia seguinte, ele pendurou na
porta um aviso: 'Entre sem bater'."
Trecho de 'Millôr definitivo – A bíblia do caos' (LP&M):
"– Aceita esse cargo, sim. Nada tendes a perder senão a vossa covardia.
– Nunca ninguém perdeu dinheiro investindo na desonestidade.
– Só louco rasga dinheiro? Bobagem. Nem louco rasga dinheiro.
Experimente jogar uma nota de cinquenta (ou mesmo de um!) num pátio de
insanos. Vai ter briga pra pegar.
– Como posso ser compreendido por milhões de medíocres que continuam a acreditar em caderneta de poupança?
– Na nota do freguês nunca esquecer de somar também o dia e o ano. Se o
freguês reclamar a gente dá outra nota e põe a diferença como desconto
para clientes especiais. Os bancos fazem isso o tempo todo.
– Pra quem gosta de puxar, qualquer saco serve. Acaba sempre puxando o saco certo. O de dinheiro.
– Quando o paciente emocionado, diante do médico que lhe salvou a vida,
declarou que 'não tinha como lhe pagar', o médico sábio esclareceu:
"Meu filho, desde que os fenícios criaram o sistema fi duciário essa
questão está plenamente resolvida'.
– O ser humano só aprendeu a contar depois que o dinheiro apareceu na
face da Terra. O homem aprendeu a contar pra poder contar dinheiro.
– Lucro ilícito é precaução mínima que você tem que tomar pra não ter prejuízo".
Hubert(Foto: Alex Carvalho/Rede Globo)
Hubert, integrante do ‘Casseta & Planeta’
"Essas coisas de livro mais engraçado e melhor filme são sempre
complicadas, porque tendo a achar bom o que acabei de ler. São tantos...
Não sei se é o mais engraçado, mas vou citar um que acho muito bom, do
Jaguar, que agora foi reeditado: 'Átila, você é bárbaro'. Foi publicado
original há 46 anos e é um dos melhores livros de cartuns que já vi. Não
perdeu a atualidade e mostra o traço do Jaguar na fase áurea, é muito
bacana. Não é o mais engraçado que vi na vida. [Depois, por e-mail]
Lembrei de um dos mais engraçados que eu já li: 'Uma confraria de
tolos', de John Kennedy Toole."
Trechos de 'Uma confraria de tolos' (BestBolso), de Kennedy Toole:
"Eu suspeito que sou o resultado de um esforço particularmente fraco
por parte do meu pai. Seu esperma provavelmente foi disparado de um
jeito bem improvisado."
"'Não está em seu destino ser bem tratado', gritou Ignatius. 'Você é
evidentemente um masoquista. Bom tratamento vai confundir e destruir
você'"
Gregório Duvivier (Foto: Renato Parada/Divulgação/
Companhia das Letras)
Gregorio Duvivier, poeta, ator e integrante do canal de humor Porta dos Fundos
“Hoje em dia, rio muito com as crônicas do David Sedaris, 'De veludo
cotelê e jeans'. Dentre os brasileiros, fora o Millôr, já ri muito com o
Sergio Porto [ou Stanislaw Ponte Preta], [Luis Fernando] Verissimo
("Comédias da vida privada”) e, por incrível que pareça, com Nelson
Rodrigues, que tem um humor dilacerante – ‘Nelson Rodrigues por ele
mesmo’."
Trecho de 'De veludo e cotelê e jeans' (Companhia das Letras), de Davidi Sedaris:
"A única alternativa seria obedecer às instruções da minha mãe e me
olhar bem no espelho. Aquele era um velho truque, destinado a fazer a
pessoa virar o ódio contra si mesma, e, embora eu estivesse determinado a
não me entregar a ele, era difícil me livrar da imagem mental
despertada pelo comentário dela: um garoto sentado na cama, a boca toda
borrada de chocolate. É um ser humano, mas também um porco cercado de
lixo, se empanturrando para privar os outros. Se fosse essa a única
imagem existente no mundo, você seria obrigado a lhe dar toda a atenção,
mas felizmente havia outras. Aquela diligência, por exemplo,
despontando na curva com sua carga de ouro. Aquele Mustang conversível,
novinho e reluzente. Aquela adolescente com a cabeleira magnífica,
tomando Pepsi por um canudinho, uma imagem atrás da outra, sem parar,
até o noticiário, e qualquer programa que viesse depois do jornal".
Reinaldo(Foto: Zé Paulo Cardeal/TV Globo)
Reinaldo, cartunista e integrante do ‘Casseta & Planeta’
“É sempre difícil fazer esse tipo de lista, mas vamos lá:
‘30 anos de mim mesmo", do Millôr;
‘Átila, você é bárbaro’, do Jaguar;
A obra do Luis Fernando Verissimo;
A obra do Ivan Lessa (eu digo a obra porque o Ivan Lessa, por exemplo,
tem muita coisa boa que não foi para o formato livro, são textos que ele
publicou no Pasquim, e ficaram por aí...).
Por falar em obra, se o Millôr estivesse aqui ia me sacanear. Ia dizer
que quem faz ‘obra’ é pedreiro, essas coisas... E tem também o ‘Memórias
póstumas de Brás Cubas’, do Machado de Assis, que é um excelente livro
de humor.”
Trecho de 'Em algum lugar do paraíso', (Objetiva), de Luis Fernando Verissimo:
"Mas quando Deus colocou Eva ao lado de Adão, a primeira coisa que ela
perguntou, ainda úmida da criação, só para puxar assunto, foi: “Que dia é
hoje?”, e ele sentiu que sua paz terminara. Ele era um homem no tempo.
Um homem com um ontem e um amanhã, e um futuro estendido à sua frente
como um imenso pergaminho, esperando para ser preenchido. O tempo não
foi a única novidade trazida por Eva ao jardim do Paraíso. Foi ela que,
dias depois, colheu o fruto proibido, que os tornou, de uma só mordida,
sexuais e mortais. E foi depois de comer o fruto proibido, quando a
Terra entrou na sombra da noite e os dois se deitaram lado a lado, que
Adão sentiu seu membro, que ele pensara que fosse só para fazer xixi, se
mexer. E avisou a Eva:
- É melhor chegar para trás porque eu não sei até onde este negócio cresce.
Depois de ganhar uma mulher e descobrir o tempo e sua mortalidade, Adão descobriu seu próprio corpo. Que semana!"