Médico funda teatro e bloco de rua para tratar pacientes psiquiátricos
'Hotel da Loucura' é um espaço decorado com objetos e tecidos coloridos, acolhedor e dedicado às manifestações artísticas
O lugar mudou gradativamente, e nos últimos dois anos, a transformação foi maior. Antigos internos passaram a ser hóspedes, paredes cinzentas hoje são coloridas e o tratamento dos pacientes é feito com atividades de teatro, música e dança. À frente da mudança, o jovem médico Vítor Pordeus, de 34 anos, explica: “A arte tem uma função de cura essencial”.
Desde 2012, Pordeus ocupou o andar
inteiro de um dos pavilhões da unidade e criou o Hotel da Loucura. É um
espaço decorado com objetos e tecidos coloridos, acolhedor e dedicado às
manifestações artísticas. Tudo faz parte da terapia de tratamento para
doentes mentais.
“Toda vez que alguém experimenta
alegria e prazer, a mente está em expansão”, defende ele. “Uma pessoa
isolada socialmente, presa dentro de casa, tratada como inferior ou
incompetente, essa não tem cura”. No sentido inverso ao tratamento feito
exclusivamente com medicamentos, ele prescreve afeto, alegria,
criatividade.
Esse método, Pordeus criou baseado no trabalho da psiquiatra Nise da Silveira, que hoje dá nome ao instituto. Depois de ser presa e torturada no governo Vargas, Nise foi trabalhar no Engenho de Dentro e decidiu que os internos não poderiam ser tratados como ela foi pelos torturadores. Tornou-se uma das pioneiras na aplicação da arte ao tratamento psiquiátrico.
O grupo de teatro de rua composto por internos se apresentou em vários pontos do Rio e do Brasil, e o bloco Loucura Suburbana já se incorporou à agenda do Carnaval carioca. O médico, que coordena o Núcleo de Cultura, Ciência e Saúde da Secretaria municipal de Saúde, esteve há um mês na Inglaterra para falar sobre a experiência.
Menos 1.940 internos
O hospital, criado há 103 anos, já chegou a ter dois mil internos. Hoje, apenas 60 casos mais agudos são tratados no Instituto Municipal Nise da Silveira em tempo integral. Outros 200 antigos internos continuam como hóspedes porque foram abandonados por suas famílias. Eles não tiveram para onde ir mesmo em condições de sair da unidade.
Vitor Pordeus lembra como foi difícil reduzir as medicações. “Começamos a encarar surto psicótico sem apelar para os remédios, usando apenas a oficina de teatro”, conta. Uma das pacientes, agressiva, teve um surto forte. “Nesse dia, a contivemos, colocamos no chão e atravessamos essa tempestade junto com o grupo. Só então, ela me contou do episódio de maior violência que sofreu: um estupro aos 13 anos”.
Além das ações propostas pelo médico, os pacientes convivem com grupos culturais que também ocupam o espaço, como o coletivo Norte Comum. “A ideia é que aqui funcione um centro internacional de Psiquiatria transcultural”, imagina Vitor Pordeus.
“Somos um povo condenado à originalidade, como dizia Helio Oiticica. Temos que tentar caminhos inovadores, e isso vai acontecer aqui no Engenho de Dentro”, garante.
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