Rádio Acesa FM VR: Médico funda teatro e bloco de rua para tratar pacientes psiquiátricos

domingo, 20 de julho de 2014

Médico funda teatro e bloco de rua para tratar pacientes psiquiátricos

Médico funda teatro e bloco de rua para tratar pacientes psiquiátricos

'Hotel da Loucura' é um espaço decorado com objetos e tecidos coloridos, acolhedor e dedicado às manifestações artísticas

Francisco Alves Filho
 
Rio - Por várias décadas, o antigo Hospício do Engenho de Dentro foi marcado pela tristeza. Não por causa dos pacientes psiquiátricos. Ironicamente, os maiores dramas eram causados justamente pela terapia usada para curá-los. Muitos foram submetidos a choques elétricos, camisas de força e cárcere.

O lugar mudou gradativamente, e nos últimos dois anos, a transformação foi maior. Antigos internos passaram a ser hóspedes, paredes cinzentas hoje são coloridas e o tratamento dos pacientes é feito com atividades de teatro, música e dança. À frente da mudança, o jovem médico Vítor Pordeus, de 34 anos, explica: “A arte tem uma função de cura essencial”.

O médico Vítor Pordeus (de camisa branca) e os internos do Hotel da Loucura: em vez de remédios, tratamento de doentes investe no prazer
Foto:  Carlos Moraes / Agência O Dia
Desde 2012, Pordeus ocupou o andar inteiro de um dos pavilhões da unidade e criou o Hotel da Loucura. É um espaço decorado com objetos e tecidos coloridos, acolhedor e dedicado às manifestações artísticas. Tudo faz parte da terapia de tratamento para doentes mentais.
“Toda vez que alguém experimenta alegria e prazer, a mente está em expansão”, defende ele. “Uma pessoa isolada socialmente, presa dentro de casa, tratada como inferior ou incompetente, essa não tem cura”. No sentido inverso ao tratamento feito exclusivamente com medicamentos, ele prescreve afeto, alegria, criatividade.

“É olhar para cada pessoa e perguntar: o que ela é capaz de fazer?”

Esse método, Pordeus criou baseado no trabalho da psiquiatra Nise da Silveira, que hoje dá nome ao instituto. Depois de ser presa e torturada no governo Vargas, Nise foi trabalhar no Engenho de Dentro e decidiu que os internos não poderiam ser tratados como ela foi pelos torturadores. Tornou-se uma das pioneiras na aplicação da arte ao tratamento psiquiátrico.

O grupo de teatro de rua composto por internos se apresentou em vários pontos do Rio e do Brasil, e o bloco Loucura Suburbana já se incorporou à agenda do Carnaval carioca. O médico, que coordena o Núcleo de Cultura, Ciência e Saúde da Secretaria municipal de Saúde, esteve há um mês na Inglaterra para falar sobre a experiência.

Menos 1.940 internos
 
O hospital, criado há 103 anos, já chegou a ter dois mil internos. Hoje, apenas 60 casos mais agudos são tratados no Instituto Municipal Nise da Silveira em tempo integral. Outros 200 antigos internos continuam como hóspedes porque foram abandonados por suas famílias. Eles não tiveram para onde ir mesmo em condições de sair da unidade.

Vitor Pordeus lembra como foi difícil reduzir as medicações. “Começamos a encarar surto psicótico sem apelar para os remédios, usando apenas a oficina de teatro”, conta. Uma das pacientes, agressiva, teve um surto forte. “Nesse dia, a contivemos, colocamos no chão e atravessamos essa tempestade junto com o grupo. Só então, ela me contou do episódio de maior violência que sofreu: um estupro aos 13 anos”.

Além das ações propostas pelo médico, os pacientes convivem com grupos culturais que também ocupam o espaço, como o coletivo Norte Comum. “A ideia é que aqui funcione um centro internacional de Psiquiatria transcultural”, imagina Vitor Pordeus.
“Somos um povo condenado à originalidade, como dizia Helio Oiticica. Temos que tentar caminhos inovadores, e isso vai acontecer aqui no Engenho de Dentro”, garante.

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