Larry Page, um dos criadores do Google, trouxe à tona uma ideia que deixou funcionários pelo mundo sonhando: por que, ao invés de trabalhar por oito horas, as pessoas não trabalham só por quatro? "Essa ideia de que todos precisam trabalhar freneticamente para suprir as necessidades das pessoas simplesmente não é verdade", disse ele. Mas será que a proposta vingaria no Brasil?
O brasileiro, em média, segue uma jornada de oito horas
diárias, com um intervalo para almoço que eleva o tempo reservado para o
trabalho para um total de nove horas. Pelo que imaginou o executivo do
Google, o tempo todo seria dividido entre duas pessoas, sendo que cada
uma faria apenas metade do trabalho.
Burocracia
O primeiro grande obstáculo a se enfrentar para importar o
modelo proposto por Page seria o formato de contratação. No setor de
tecnologia norte-americano é comum haver contrato por projeto: ao invés
de horas diárias, o profissional tem de cumprir uma meta específica.
Aqui no Brasil a CLT é o padrão; mesmo na área de tech, ela ainda
predomina - embora haja casos de contratação diferenciada.
"[Dobrar o contingente] aumentaria custo para a empresa:
quando somos contratados pela CLT, o valor para a empresa geralmente é o
dobro do que a gente recebe. Mesmo diminuindo o valor das duas pessoas,
haveria um acréscimo no total", esclarece a consultora de Recursos
Humanos Natassia Araujo, da Randstad Technologies.
Outro problema, até mais óbvio, é o fato de que cortar o
tempo de trabalho também significa cortar o salário pela metade, o que
geraria uma dor de cabeça para o profissional. "O custo de vida no
Brasil é muito alto", lembra a consultora. Isso significa que se essa
pessoa não tivesse um salário alto, teria de arranjar outro emprego de
quatro horas.
Ideia velha vs. problemas novos
Na verdade, a ideia de reduzir drasticamente o tempo de
trabalho não é nova. O especialista João Xavier, que dirige a Ricardo
Xavier Recursos Humanos, lembra que no século passado o britânico
Bertrand Russel propôs exatamente a mesma coisa em seu livro "Elogio ao
Ócio". O sociólogo italiano Domenico De Masi também explora o tema com o
conceito de "ócio criativo".
"Eu acho que esse é o futuro, mas estamos longe dele", opina Xavier. "Não é só aqui, no mundo inteiro há uma distância grande para se chegar neste ponto. A grande questão está no modelo econômico, porque tudo está baseado numa competição." Ele explica: há pouca gente ganhando muito e muita gente ganhando pouco ou desempregada, então as vagas disponíveis são tão disputadas que o próprio trabalhador se sobrecarrega para não ser substituído.
"Eu acho que esse é o futuro, mas estamos longe dele", opina Xavier. "Não é só aqui, no mundo inteiro há uma distância grande para se chegar neste ponto. A grande questão está no modelo econômico, porque tudo está baseado numa competição." Ele explica: há pouca gente ganhando muito e muita gente ganhando pouco ou desempregada, então as vagas disponíveis são tão disputadas que o próprio trabalhador se sobrecarrega para não ser substituído.
O mercado de tecnologia foi um dos que começaram a quebrar
esse esquema. Empresas como o próprio Google entenderam que os
funcionários precisam de tempo ocioso para serem mais criativos. "Cada
vez mais o trabalho está sendo substituído por máquinas e tecnologia - o
operacional por máquinas e o executivo por computadores. Sobra o
trabalho criativo e imaterial, então a sociedade vai ter de se
reorganizar, você não faz um trabalho desses ficando oito horas por dia
fazendo a mesma coisa sem parar", dispara Xavier.
"É bastante a ideia do Google", concorda Natassia, "mesmo
trabalhando, você consegue investir em você. Do ponto de vista do RH é
totalmente favorável, porque se você trabalha oito horas vidrado naquilo
sua cabeça para de funcionar, é preciso liberar a criatividade."
Vagas vs. profissionais
Por fim, há ainda a questão das vagas. A iniciativa de
Larry Page dobraria a quantidade de postos de trabalho, mas como se a
indústria vive reclamando que falta gente qualificada? No Brasil, 33 mil
pessoas se formam a cada ano para a área, enquanto se criam 120 mil
vagas, segundo a consultora da Randstad.
Tanto lá fora quanto por aqui surgem o tempo todo
iniciativas que tentam ensinar programação aos leigos, há cursos
gratuitos governamentais ou apoiados por gigantes como Microsoft e
Facebook. Tudo porque sobra trabalho e falta gente para executá-lo,
então de onde viriam essas pessoas sugeridas pelo executivo do Google?
"Uma dica é investir em capital humano: ao invés de pegar
dois e quebrar em quatro horas, pega um só e investe nele", sugere
Natassia.
Parece haver um consenso: a redução do tempo de trabalho é
uma realidade possível e também necessária. O problema é convencer o
mundo todo - não só o Brasil ou os Estados Unidos - a enxergar isso.
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