A Justiça brasileira 'persegue' o Facebook?
Lucas Carvalho
01/03/2016
Brasil
Facebook
justiça
Na manhã desta terça-feira, 1,
a Polícia Federal brasileira prendeu Diego Dzoran, vice-presidente do Facebook para a América Latina,
em sua casa em São Paulo. De acordo com as autoridades, o pedido de
prisão foi feito por um juiz de Sergipe após o descumprimento de uma
ordem judicial.
A situação é semelhante àquela que levou a Justiça brasileira a determinar o
bloqueio do aplicativo WhatsApp, pertencente ao Facebook, em dezembro do ano passado
em todo o território brasileiro. O executivo foi detido por não acatar
uma ordem judicial que determinava a liberação de dados sigilosos de um
usuário do aplicativo em uma investigação ligada ao crime organizado e
tráfico de drogas, assim como no caso do WhatsApp em 2015.
O Facebook classificou a prisão desta sexta como uma "
medida extrema e desproporcional"
- os mesmos adjetivos usados na ocasião do bloqueio do app de mensagens
em dezembro. Com duas ações semelhantes em um intervalo menor que o de
quatro meses, há quem acredite que a Justiça brasileira tem algum tipo
de "perseguição" à rede social. Mas casos como esse não são novidade no
Brasil.
Em setembro de 2012, o então presidente da divisão nacional do Google, Fábio Coelho,
teve prisão decretada
pelo Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul. A acusação foi
de que a empresa descumpriu uma ordem anterior para retirar um vídeo do
YouTube, envolvido em um outro processo sobre difamação.
Para Adriano Mendes, advogado especialista em Direito Digital, casos
desse tipo se repetem por conta da falta de compreensão, por parte do
sistema judiciário, sobre como funcionam as empresas de tecnologia.
"Aqui, ao invés de entendermos a tecnologia, preferimos punir quem a
desenvolve ou represente ao invés de buscar provas e concentrar os
esforços contra as pessoas que realmente cometeram crimes", diz.
De quem é a culpa?
Por outro lado, embora o Facebook classifique a medida como
"desproporcional", a ordem de prisão emitida contra Diego Dzoran foi o
recurso encontrado pelo juiz do caso para fazer com que uma ordem seja
cumprida. Como explica a advogada Gisele Arantes, "uma empresa não pode
dizer ‘não estou a fim de cumprir essa ordem’, rasgá-la, jogá-la fora e
está tudo bem. O Poder Judiciário precisa se posicionar para obrigá-la a
obedecer".
A Justiça precisa fazer com que a legislação seja acatada, mas
empresas estrangeiras como o Facebook, mesmo com base de operações
instalada no Brasil, têm dificuldade para aceitar alguns desses
tratados. No caso do Facebook, todos os dados que circulam por seus
aplicativos são armazenados em servidores fora do país, deixando a rede
social dividida entre obedecer uma ou outra constituição.
Adriano Mendes, sócio fundador do escritório Assis e Mendes e também
especialista em questões jurídicas envolvendo a internet, compara a
situação do Facebook com um cenário hipotético. "Imagina que você tem
uma empresa no Brasil e recebe uma ordem do governo da Zâmbia para
demitir um funcionário. E se não cumprir, tem que pagar uma multa em
moeda zambiana", diz. "O Brasil quer impor sua legislação para empresas
que não estão sediadas aqui."
No caso da ordem de prisão contra Diego Dzoran, porém,
informações do portal UOL
indicam que o executivo foi procurado três vezes pela Justiça nos
últimos meses para prestar esclarecimentos. "Ao não responder aos
pedidos, o juiz estipulou multa diária de R$ 50 mil, que não foi
cumprida por mais 30 dias. Depois essa multa aumentou para R$ 1 milhão
por dia", disse Mônica Horta, chefe de comunicação da PF de Sergipe.
Sendo assim, a ordem de prisão foi mesmo o último recurso encontrado
pela Justiça para fazer valer sua soberania. Mônica disse ainda que
ordens semelhantes, exigindo dados sigilosos de usuários envolvidos em
investigações criminais, já foram emitidas contra empresas de e-mails,
por exemplo, e que estas respeitaram a ordem - ao contrário do Facebook.
Para complicar ainda mais essa história, o
Marco Civil da Internet
- lei sancionada em 2014 que define direitos e deveres para provedores e
usuários da rede mundial de computadores no Brasil - não deixa claro se
as empresas que oferecem serviços digitais por aqui são obrigadas ou
não a armazenar esses dados. O Facebook pode simplesmente argumentar que
não possui as informações exigidas pela Justiça, e que por isso não
pode cooperar.
Como resolver o impasse
Atualmente, o Brasil é signatário de acordos internacionais que
garantem o cumprimento de ordens judiciais daqui mesmo que os efeitos
sejam sentidos em território estrangeiro. No entanto, para que uma
determinação como essa seja devidamente atendida, um longo e burocrático
processo precisa ser iniciado, o que acaba por atrasar a resolução das
investigações.
"A questão envolve um novo cenário. As pessoas dependem das
aplicações que, por sua vez, armazenam dados de toda natureza, inclusive
os detalhes para as investigações criminais. É o cenário de colaboração
mútua, entre autoridades, empresas e sociedade. Enquanto a legislação
não evolui, tribunais procuram encontrar meios legais para a busca de
dados que comprovem eventuais crimes", comenta Renato Opice Blum, sócio
do escritório Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados.
Para Adriano Mendes, porém, a solução para casos como esse se encontra na Europa, na chamada
Convenção de Budapeste.
Em 2001, um conselho formado por diversos países definiu um "padrão"
sobre como se comportar em casos de crimes virtuais. Os signatários
obedecem a um mesmo conjunto de normas que facilita essas relações entre
governos diferentes em ações que ultrapassam fronteiras políticas.
O Brasil foi convidado a fazer parte da Convenção de Budapeste, mas
optou por não assinar e elaborar seu próprio tratado particular: o Marco
Civil. Embora seja elogiada por outros países, a iniciativa não entra
em acordo com governos estrangeiros sobre como tratar esses crimes
“multinacionais”, de modo que prisões como a desta sexta podem se
repetir a qualquer momento.
"Considerando que tal medida será revogada nas próximas horas, além
do abalo à imagem do nosso judiciário e descrédito do Brasil no ambiente
internacional, a prisão dos dirigentes de empresas por questões ligadas
à tecnologia mostra como estamos atrasados em relação ao resto do
mundo", opina Mendes.